Capítulo 10: Alô, Alô Marciano - Elis Regina

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Era domingo. Crowley estava na varanda de seu apartamento, sentado em uma cadeira de praia que mal cabia no ambiente, com os pés apoiados no parapeito da sacada. Ele vinha evitando os telefonemas de Anathema nos últimos dias, mas sabia que não poderia ignorar mais. Ele não queria contar os acontecimentos recentes para a amiga – tanto porque sabia que ela o massacraria (com razão) quanto porque ele tinha se arrependido (um pouco).

A ideia de anunciar que Aziraphale estava se desfazendo de potes de plástico colecionáveis era genial, e ele não se importava com o que as demais pessoas poderiam pensar sobre. Era criativa, era engraçada, era levemente desesperadora... era perfeita. Se era uma ideia ética e dentro das leis, porém, eram outros quinhentos – ele próprio tivera consciência, embora tardia, de que não tinha sido a ideia mais segura pensada por ele, mas isso não tirava ou louros dela.

Deslizando pela cadeira e posicionando o celular em um dos vasos de planta, Crowley atendeu a ligação de Anathema com um sorriso no rosto, tentando ao máximo parecer menos culpado – não que ele se sentisse culpado de algo, mas sim porque sua amiga era capaz de farejar todo tipo de culpa, mesmo as que você ainda não sentia.

– Então você está vivo. Muito bem, podemos começar daí. – Anathema estreitou os olhos em tom de brincadeira. – O que você aprontou?

– Nada. – Crowley afundou ainda mais na cadeira, resmungando baixinho. Respirando fundo e tomando coragem, ele narrou os últimos acontecimentos para a amiga. Narrou nos mínimos detalhes, em partes porque sabia que ela seria capaz de identificar caso ele estivesse omitindo algo, mas em partes porque não existia necessidade em mentir para ela. Mesmo sabendo que ela o traria de volta à realidade na gravidade de seus atos, Crowley nunca se sentiu obrigado ou tentado a mentir para Anathema, com medo de como ela reagiria. A relação deles já tinha passado desse momento há boas décadas.

– Certo. – Anathema franziu a testa, pensativa. – Não foi a sua melhor ideia, mas...

– Foi minha melhor ideia. Foi uma ideia genial. Criativa, tinha um quê de elegância e...

– Desde quando "ato criminoso" virou "um quê de elegância"? – Anathema o interrompeu. – Você sabe que o que você fez é crime, certo?

– Sim, eu fui avisado inúmeras vezes. – Ele apontou para cima, indicando Aziraphale. – Mas eu apaguei a publicação algumas horas depois de ter postado, isso vale de alguma coisa, não? Eu poderia ter deixado lá para sempre, mas resolvi ser misericordioso e só deixar o tempo necessário para que meus planos fossem bem sucedidos.

– Você realmente está lidando com um anjo, não é? Se você tivesse feito algo minimamente parecido comigo eu teria chamado a polícia na mesma hora e de quebra iria atrás de uma ordem de restrição.

– O que você quer dizer com "realmente"? – Crowley desviou o olhar do celular. Ele nunca disse para Anathema ou Newt que chamava (ironicamente) seu vizinho de "meu anjo", o que ela poderia estar insinuando com seu "realmente"? Ele não o chamava assim de uma maneira carinhosa, mas sim porque fisicamente ele parecia mesmo um anjo, com os cabelos encaracolados tão loiros que quase pareciam brancos, com os olhos extremamente azuis e as bochechas rosadas, o rosto (quase) sempre sorridente e o bom humor inebriante... eram características de um anjo (ou o que Crowley imaginava que um anjo se pareceria), nada além disso. Definitivamente nada além disso.

– Quero dizer que seu vizinho tem a paciência de um santo e se porta como um anjo por não levar toda essa situação à justiça, só isso. Tem outro significado para meu "realmente"? – Anathema olhou com curiosidade para o amigo com um sorriso sugestivo no rosto, enquanto Crowley olhava ao redor, tentando pensar em uma maneira para mudar de assunto.

Good Omens - Entre Tapas e Beijos (Ineffable Husbands)Onde histórias criam vida. Descubra agora