capítulo 12

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     Kira e Aleko passaram os dias seguintes explorando as delícias da cidade que se esparramava à beira-mar.
     A praia acompanhava a costa irregular, às vezes bem larga e depois se estreitando numa faixa fina de cascalho.
     Algumas pedras eram tão coloridas e macias que Aleko começou a colecioná-las e, naturalmente, era kira que tinha que carregá-las para casa.
    A cada tarde ela se espantava com a beleza dos crepúsculos, era como se alguma coisa no mar se apropriasse da energia e da cor do sol que estava morrendo, e as cores se espalhavam, como um quadro que nunca cansava de admirar.
     O terraço da casa dava para o mar e era uma delícia ficar lá depois de um dia cheio, passado com um menino com muita vitalidade.
   Ela não sabia que as crianças podiam ser tão exaustivas, ou então Aleko tinha herdado a energia do pai que saía cedo para ir ao hotel e que às vezes só voltava depois que Aleko estava na cama.
    O menino nunca dormia antes do pai aparecer em seu quarto, a ligação entre os dois era muito forte e kira sempre sumia quando Zonar Mavrakis chegava em casa.
    No terraço, enquanto escurecia, ela ouvia o som de risadas masculinas dentro de casa.
    Sabia instintivamente que o menino estava contando os acontecimentos do dia para o pai que, com sua vida mundana, provavelmente se divertia com a idéia de uma jovem ter prazeres infantis como catar conchinhas, cavar a areia, explorar as cavernas e pegar pão amanhecido na cozinha do hotel para da às gaivotas e aos pombos do porto.
    Talvez o grego nunca encontrasse tempo para passear nos velhos cemitérios e ler os nomes escritos nas lápides.
     Para comer bolinhos deliciosos em salões de chá antiquados.
     Para visitar uma aldeia de brinquedo perto de Tormont, onde havia cópias perfeitas de solares, uma estação ferroviária, um clube de críquete, uma igreja e uma estalagem, construídas entre colinas e vales em miniatura, com as mesmas pedras usadas na vida real.
    Eles haviam ido à aldeia de brinquedo naquele dia e agora kira sentia um cansaço gostoso, enquanto estava sentada numa espreguiçadeira de vime e olhava as estrelas brilhando sobre a água parada da baía.
     Às vezes, o mar estava agitado e ela ficava deitada, ouvindo o barulho, mas naquela noite a tranqüilidade era uma bênção.
    Respirou a brisa que vinha do mar. Deus tinha feito um mundo maravilhoso, se ao menos as pessoas percebessem.
    Então você está aqui. Um fio de fumaça de charuto saiu pela porta do terraço e o aroma chegou no nariz de Íris.
    O timbre da voz grave brotou da escuridão e ela perdeu a sensação de relaxamento, sentando-se reta na espreguiçadeira.
    Aleko se divertiu muito hoje, srta. Ardath.  A ponta do charuto brilhou como um olho vermelho.
    Ele me contou que vocês foram ao reino encantado de ônibus. O carro e meu motorista estão à sua disposição, você sabe disto.
     Aleko gostou de andar de ônibus, senhor.
     Imagino, mas tem chovido um pouco e os ônibus são raros enquanto não começa a temporada de verão.
    Por que não gozar um pouco de conforto? Você tem muitos anos de sacrifícios pela frente, não é mesmo?   
   Não vejo as coisas assim, senhor.
   Sou um homem, senhorita, que acha um tanto difícil entender como uma jovem pode enfrentar a perspectiva de uma vida privada de muitas comodidades e prazeres.
     Obviamente você sabe lidar com crianças. Você não tem vontade de ter filhos?
     Nunca pensei nisto, senhor. Kira percebeu que quando era obrigada a conversar com Zonar Mavrakis instintivamente falava com voz fria e distante.
    Ela não sabia por que tinha um pouco de medo dele.
    Admirava sua capacidade de trabalho e a devoção que tinha por Aleko, mas, quando ele falava com ela, sentia a espinha enrijecer como uma estaca.
    Além disso, o assunto era pessoal demais para ele tocar, quase como se quisesse desconcertá-la.
    Mesmo uma jovem criada na tradição do convento deve pensar um pouco sobre o assunto.
    Havia uma nota de insinuação em sua voz e Kira ficou ainda mais rígida ao constatar a altura dele a seu lado, enquanto ele andava pelo terraço.
   A vontade de correr para dentro era forte demais e ela só pôde controlá-la devido a seu senso de disciplina.
    Devia ser um tema de conversa, pois as moças são as mesmas em todas as partes do mundo — ele murmurou.
    Ou vocês só pensavam em rezar?
    Não sei em que isto pode lhe interessar, senhor.
   A voz dela tremia ligeiramente, com uma mistura de nervosismo e de irritação.
    Vim aqui para cuidar de Aleko, mas, quando tiver que voltar para o Santa Clara, farei isto com a plena consciência de que os votos excluem. filhos. Outras coisas encherão minha vida.
     Você ainda não começou a viver.
     Ele jogou a cinza do charuto, quase desdenhosamente.
     Você está no convento desde criança?
     Desde bebê.
     E em muitos sentidos ainda é tão inocente quanto um bebê.
    Ele encostou-se na parede do terraço, com o rosto na sombra, mostrando apenas o brilho dos olhos e a brasa do charuto.
     Aleko me disse que vocês dois ficaram maravilhados com a cidade de brinquedo, duas crianças no reino da fantasia, hein?
     Há alguma coisa de errado em ser. inocente? — ela murmurou. — Todo mundo tem que ser realista?
     Como eu, srta. Ardath? — Sim, senhor.
     Talvez o senhor nunca tenha parado o suficiente para apreciar o que W. H. Davies escreveu. — Você acha que não tenho tempo pra parar e pensar?
     Será que o senhor já percebeu que a vista da baía é maravilhosa e que os sons do mar não são sempre os mesmos? Espero que o senhor não se incomode por eu estar ensinando seu filho a reparar nessas coisas.
     O senhor me escolheu para ser governanta dele, mesmo sabendo que meu mundo era completamente diferente do seu.
     Foi de propósito , ele concordou.
     Seu sorriso era apenas perceptível na luz fraca que vinha das arandelas pregadas na parede, um movimento cínico dos lábios.
    Tinha chegado à conclusão de que o mundo estava cheio de mulheres agradáveis, mas meu irmão Heraklion sugeriu que eu contratasse uma governanta num lugar onde não se conhecesse a vida mundana.
     Por isso, que lugar melhor para escolher do que um convento? E como foi conveniente que sua madre superiora permitisse que um membro de sua ninhada viesse para minha casa!
    O que você acha de minha casa?
    A casa é muito bonita , ela respondeu com muita polidez na voz. 
     Gosto de Tormont e me divirto em companhia de Aleko.
     E na minha, srta. Ardath?
     Ela segurou a grade do terraço. O que deveria responder? Contar a verdade, dizendo que ele a intimidava, mas que a deixava curiosa porque representava tudo o que nunca tinha experimentado e que provavelmente nunca iria conhecer?
    Ele fazia parte do mundo cosmopolita povoado por homens de sucesso e mulheres elegantes e carismáticas, como a que tinha saído com ele em Paris. Kira não só suspeitava que ele se divertia com sua ingenuidade , como é que podia deixar de notar o movimento das sobrancelhas enquanto a examinava, dos sapatos amarrados até o cabelo?  
     Como também o instinto lhe dizia que ele a comparava às outras moças que apreciava, mas cuja sofisticação não queria que seu filho absorvesse por enquanto.
     Ua luz brilhava dentro de casa, iluminando o terraço e a figura alta de Zonar Mavrakis, que andava para cima e para baixo, silenciosamente , quase ameaçador na escuridão. como se a noite o chamasse, despertando nele a impaciência de um animal em busca de sua presa.
   Aleko não chegou a conhecer a mãe ,disse ele de repente.
   Ela era muito jovem e morreu quando ele nasceu.
   Um imbecil jogou seu carro contra o meu e minha mulher foi atirada para fora.
   .Ela devia estar usando o cinto de segurança, mas estava grávida de oito meses e o cinto a incomodava.
    Eu devia ter insistido! Como me arrependo.
    Pelos deuses, um homem pode esquecer? Com o choque, a dor e o terror ela entrou em trabalho de parto e Aleko nasceu nas minhas mãos, ali mesmo na beira da estrada.
    Você pode imaginar o que passei?
    Não, como poderia, se sua visão do mundo sempre foi através dos vitrais de um convento? Como é que você poderia saber qualquer coisa do meu mundo?
     Não. não sou inteiramente criança, senhor! Kira sentiu pena dele, mas sua reserva natural não permitia que demonstrasse sua piedade de uma maneira física.
     As mulheres lhe abriam os braços e lhe ofereciam seus corpos curvilíneos, para que ele pudesse se esquecer por um instante do corpo dilacerado da jovem que tinha amado e perdido.
    Kira só podia fitá-lo com seus olhos enormes e ficar onde estava, distante e tensa, agarrando o ferro frio e duro no ar da noite, que trazia o cheiro do mar. o mar que recuava e avançava na areia.
     O silêncio parecia maior enquanto a fumaça do charuto atravessava o terraço, misturando-se com o cheiro do mar. 
     Kira ficou imóvel, sentindo com todos os nervos que ele se aproximava, alto e forte, ainda sofrendo por um golpe que o tempo não tinha suavizado nem o prazer aliviado, a não ser por algumas horas entre braços perfumados.
     Minha mulher tinha a sua idade.
     A voz dele estava grave.  Eu também era muito jovem naquela época, e a criança que ela estava carregando no ventre fora concebida com paixão e com amor, mas você não entende disto, não é? Para você é pecado oferecer os labios, envolver um homem com os braços e permitir que ele a deixe louca de felicidade.
    Diga-me, freirinha, você não sente curiosidade por este tipo de paraíso?
    Não ,disse ela, mas deu um suspiro quando ele segurou em sua cintura.
    Ela procurou se afastar depressa, mas não antes de perceber que seus sentidos se inflamavam, que um fogo lento penetrava em sua pele, excitando as extremidades de seus nervos.
     Não faça isso!  Ela deu meia-volta, ficando de costas para a parede do terraço, como se estivesse fugindo de um incêndio de verdade.
   Seus olhos ficaram ainda maiores, arregalados por causa do choque e do medo da masculinidade dele.
   Franzindo as sobrancelhas, ele atirou longe a ponta do charuto.
Você vai perceber freirinha, que o que eu quero eu pego, no momento isso foi só um teste , ele murmurou.
   Ainda acho difícil acreditar que tenho uma santinha entre minhas mãos calejadas.
    Não. não pretendo ser uma santa.
    Ela ergueu o queixo, aborrecida porque ele a fazia sentir-se indefesa e com medo dele. ou tinha mais medo de si mesma?
     Eu me dedico ao que quero e, se há regras, procuro então obedecê-las.
   Como você é correta , ele caçoou, enquanto examinava a silhueta esbelta vestida com roupas feias e simples.
    Você não sente a vontade tão feminina de usar coisas bonitas? Isto também é pecado?
  É questão de dinheiro. As coisas bonitas custam caro.
   Tenho muito dinheiro, srta. Ardath.  
   O. o que o senhor quer dizer com isso?
   Vamos, você já mostrou que não é boba. Quero comprar para você algumas roupas mais adequadas.
   Posso abrir uma conta na melhor butique.
    É claro que não!
    Pelos deuses, qualquer outra moça pularia de alegria com isto!
     Acredito, senhor, mas do senhor só quero o que merecer.
     E se eu lhe disser que não quero que meu filho seja visto com uma governanta vestida com roupas que parecem ter saído de um baú? Esses sapatos são pavorosos e devem ser pesados e incômodos. Essa saia está comprida demais e a blusa parece um saco. Insisto em abrir a conta para você e, como seu patrão, quero que você vá amanhã à loja para escolher algumas roupas bonitas, para usar de dia e de noite.
  Não. não posso aceitar sua oferta, sr. Mavrakis. Se o senhor não gosta do meu aspecto, então é melhor procurar outra pessoa para tomar conta de seu filho.
   Com toda a dignidade, kira tentou passar por ele para entrar na casa, mas Zonar segurou com firmeza sua cintura.
  Ela tentou se afastar e imediatamente ele a puxou com toda a facilidade. no mesmo instante kira parou de lutar e o olhou desafiadoramente.
  Não tente lutar comigo, freirinha , O sorriso que ele deu era cruel e os olhos que a examinavam estavam tão escuros e ameaçadores quanto o mar perdido na escuridão.
    Além de ser muito maior do que você, sou também muito mais rude.
    Se você não for voluntariamente à loja para escolher as roupas, então a levarei, e a vendedora vai pensar que você é minha esposa ou então minha amante.
    O senhor não ousaria me levar , Kira acrescentou, tentando se livrar dele.
    Desafie um grego e ele fará quase tudo.  Os dentes brancos brilharam em contraste com a pele bronzeada.
   E agora que estou pensando nisso, acho que é melhor você ir comigo à loja para escolher as roupas, pois você não deve ter a menor noção do que lhe cai bem, pois sem dúvida sua mente pura deve estar cheia de imagens vestidas de hábito e com touca.
    E o que é que o senhor pretende que eu vista?  Ela estava corada.  Um biquíni durante o dia e à noite um vestido de gaze preta decotado até o umbigo?
    Ah, então a freirinha tem uma língua afiada, não é verdade? Um brilho caçoísta brincava em seus olhos como o luar na água escura.
    Não, minha menina, gaze preta não é para você. Você tem que usar branco e azul para combinar com seus olhos imensos. E também não gosto de biquíni. Já resolvi que vou escolher as roupas. Vai ser divertido. ver seu embaço quando ficar parecendo mais uma moça do que uma noviça.
    O senhor não vai me forçar a fazer nada. Ela tentou novamente fugir dele, mas se debateu em vão, como uma mariposa presa num alfinete.
    Não vim aqui para isto. oh, maldito, me solte!
   Que palavra feia! , ele censurou. Você terá que lavar a boca com água e sabão.
    O senhor é muito esperto, não é mesmo? Os olhos dela ardiam como brasas.
    Para o senhor sou uma brincadeira, uma diversão, alguém para provocar. Acho o senhor muito antipático.   
   Muita gente também acha,ele resmungou.  E o que se espera quando um grego se mete em negócios. Ele é naturalmente competitivo e cada negócio bem-sucedido lhe traz também um inimigo ou dois.
   Se devo contá-la como um dos meus inimigos, que seja assim, freirinha.
   Enquanto você der a meu filho toda a sua atenção, não vou reclamar se você me der migalhas, por enquanto.  
    Kira olhou para o rosto bem definido, as sobrancelhas inclinadas sobre os olhos irônicos, a boca ousada marcada com linhas de cinismo. Seu coração batia sem parar e ela sentia-se fraca. Oh, Deus, o que ele estava fazendo com ela, que não conseguia ir embora correndo mesmo depois de ficar livre?
     Vá embora , ele caçoou.  Por acaso estou impedindo?
   O senhor quer dizer.  ela engoliu em seco, para acalmar a pulsação na garganta, de volta para o convento?
   Não, sua tonta!  ele explodiu.  Vá jantar e pare de ter medo de que eu vá seduzi-la se você aceitar alguns vestidos. Faz parte do emprego. o uniforme, se você preferir. Vá beber um copo de vinho para trazer a cor de volta a seu rosto.
    Enquanto ele ria, não muito alto mas como se estivesse caçoando dela, Kira saiu correndo pelas janelas francesas, como se quisesse fugir daquela casa, de Tormont e daquele homem,e do que ele a fazia sentir ,estranho.
   Parou sem fôlego na galeria e sem querer começou a se examinar no vidro de uma das janelas.
   Viu a imagem de uma moça de cabelos pretos e cacheados, rodeando um rosto assustado e olhos grandes e incrédulos.
    Era pecado pensar no tipo de amor que Zonar Mavrakis dava às mulheres depois da perda da moça que, morrendo, lhe tinha dado um filho?  
   Era por causa de Aleko que ficava naquela casa? Kira apertou a cruzinha pendurada no pescoço. tinha que acreditar que era por causa do menino.
   Ela não ousava encarar a possibilidade de que era o pai que a fascinava, com seu charme estranho.


Pecado E Amor :A Noviça E O Grego Onde histórias criam vida. Descubra agora