Parecia mais uma noite normal de sexta-feira: a cidade estava agitada, o bar, The Ferris Wheel, estava lotado e as luzes coloridas pareciam se misturar perfeitamente com a música que tocava. As pessoas riam, bebiam, dançavam, curtiam e não percebiam que, na verdade, aquela noite não era a típica sexta e, sim, a noite em que tudo mudaria.
Boto observava de seu escritório a movimentação no bar, e enquanto na parte de baixo tudo parecia normal, ali estava tenso. Havia chegado o momento, a oportunidade perfeita se fazia presente e ele precisava decidir se seguiria com o seu plano ou não.
- Em 15 minutos eles estão aqui - disse Phuwin, seu braço direito e melhor amigo - Eu não acredito que esse filho da puta tava trabalhando pra polícia! Mas que caralho, eu vou acabar com a raça dele! - esbravejou Phuwin enquanto virava um copo de whisky.
Esse tipo de reação era algo que não assustava Boto, já que desde o início da amizade deles, o amigo sempre fora esquentado. Eles já se conheciam há 7 anos, e esse era o tempo que havia levado para eles chegarem aonde estavam. O começo da amizade deles era algo que sempre deixava Boto abismado, pois tirando o fato de os dois serem responsáveis por repassar os bagulhos nas festas, eles não tinham mais nada em comum. Phuwin era menino de classe média alta, filhinho de papai, que depois de se revoltar contra os pais resolveu se aventurar na vida noturna, e acabou achando divertida e excitante a vida do tráfico. Boto, que na verdade se chamava Archen, nunca conheceu outra vida além daquela.
Filho de uma prostituta viciada em drogas, ele nasceu e cresceu naquele mundo, nunca soube quem era seu pai, mas foi por conta do mesmo que recebeu seu "apelido". Naquele lugar, quando mulheres apareciam grávidas do nada, costumava-se dizer que a criança era filho do boto. Tudo isso baseado na lenda, onde um boto se transforma, em uma noite de lua cheia, em um homem belíssimo que seduz as mulheres a fim de engravidá-las, e ele nada mais era do que um entre tantos desses filhos. Até os 12 anos viveu com sua mãe, do jeito que dava e como dava, afinal ela vivia chapada, e ele passava mais tempo com as colegas de trabalho dela. Foi bem "criado" e não passou fome, mas aprendeu logo cedo o único destino que alguém tinha naquela vida: a overdose. Forçado por Anne, a mais nova entre as amigas de sua mãe, frequentou a escola até o dia em que a encontrou desacordada no colchão deles. Sozinho no mundo, precisou aprender como se movimentar, passar despercebido e, principalmente, a sobreviver. Anne até tentou colocar ele em orfanatos e abrigos, tentou dar para ele a oportunidade de uma vida diferente da dela, mas ele sempre fugia, pois aquela não era a vida que ele conhecia, não era a vida dele. Ele foi crescendo e sobrevivendo da única maneira que era possível, já que ali reinava a lei do mais forte, ou você se adapta ou você morre.
Era inteligente e pegava as coisas rápido. Um dia ouviu de um dos frequentes de Anne que ele deveria ter o Q.I alto e que poderia ser até superdotado. Era esperto demais e isso a assustava, pois ali nunca deveriam saber demais, era muito perigoso, e ela fez questão de ensiná-lo sobre a importância de saber ser invisível quando necessário. Aos 16 anos já trabalhava como aviãozinho e era muito bem recompensado pelo chefe da boca, Tawan, já que além de inteligente, era muito bonito e tinha "cara de gente rica". E naquela área da cidade era isso que importava, já que ali as aparências valiam mais que a verdade. Vivendo ali desde sempre, ler as pessoas e saber o que elas queriam e buscavam se tornou algo fácil para ele, e isso o ajudava a se misturar mais facilmente. Aos 18 começou a trabalhar como barman no bar local, para facilitar os negócios dizia Tawan, e logo ficou conhecido por sua beleza, carisma e presença. Toda vez que perguntavam pelo seu nome, o chefe, ele ou qualquer outra pessoa que trabalhasse com ele ria e respondia qualquer nome que vinha a cabeça. Tinha dias que era Marcos, outros João, as vezes Rafael, foram tantos nomes, identidades e personalidades, que as vezes até esquecia quem era Archen, tudo para fazer o negócio funcionar, a máquina não podia parar. E mesmo dentro daquele meio poucos sabiam quem ele realmente era, era Boto, simplesmente Boto.
Foi nessa época que ele conheceu Phuwin e foi ali que começou a história deles. De cara ele não gostou muito de Phu, mas logo percebeu que estar juntos funcionava muito para o negócio. O amigo era o estereótipo perfeito para aquele negócio: cheio de marra, briguento e com cara de poucos amigos. A capa e a vítima perfeita para estar nos holofotes do negócio como dizia Tawan, e nisso ele tinha a total razão. Enquanto para todos sempre era Phuwin que estava a frente de tudo, na verdade quem liderava o grupo deles era Boto. O tempo passou, sete anos se passaram, Archen não era mais só um rostinho bonito que estava ali para se misturar. Ele cresceu junto com os negócios e agora ele era o dono da boca, ou melhor, o responsável por aquele setor. E mesmo tendo subido na única vida que ele conhecia, ele estava cansado de viver nas sombras dos outros, de ser invisível, ele queria mais.
Fazia tempo que discordava da liderança de Tawan. O cara com o passar dos anos ficou mais violento, abusivo e mercenário. A taxa sobre os produtos estava aumentando cada vez mais e, como consequência, os lucros caíam. Ele já tinha procurando outras fontes, mas aquele mundo, por incrível que pareça, se baseava na confiança e todos sabiam que ele fazia parte da organização de Tawan. Demorou, mas finalmente a oportunidade chegou, ele só precisava agarrá-la. Afinal, nunca imaginou que o braço direito de Tawan estaria trabalhando pra polícia e ele sabia que isso estremeceria toda a organização. Um nome tão importante havia traído eles, havia traído Tawan, e essa era a oportunidade perfeita, ele precisava agir.
- Phu - ele disse olhando fixamente nos olhos do amigo - nós precisamos do laboratório, é a única maneira.
- Eu vou botar esse filho da puta pra falar, ele vai ter que abrir a boca - respondeu Phuwin ao mesmo tempo que virava outra dose. - Ou ele fala pra gente ou a mina dele amanhece do mesmo jeito que ele.
- Só temos uma chance, não podemos errar. Tawan pensa que ele está com a polícia, mas não vai demorar muito pra ele descobrir que ele não tá lá. - disse Archen enquanto acendia seu cigarro - Não pode ter erro nenhum, entendeu?
- Eu sei cara, eu entendi: é tudo ou nada.
- Sim, é tudo ou nada.
E quando ouviu alguém se aproximar da porta do escritório, Archen deu uma última tragada e levantou. A oportunidade que ele esperava literalmente bateu em sua porta.
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Midgnight City
RomanceDois mundos, dois homens, uma sexta-feira, um golpe. Archen, aka Boto, é um subchefe do tráfico, responsável por uma das áreas mais ricas e violentas. Ele vê na descoberta que o braço direito do seu líder está trabalhando para a polícia a oportunida...