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Ano 545 - Mar do sul, costa de Gaily


Ela estava correndo. Não literalmente sobre os próprios pés, mas o cavalo em que estava montada não galopava à toa.

As pessoas desviavam ao ouvir o barulho dos cascos, contudo apenas os novos na área se surpreendiam ao ver uma moça, de calça e corpete de couro, blusão branco e cabelos soltos, sobre um enorme corcel preto.

As bochechas rosadas não eram motivadas pela corrida, pelo contrário, os dias em alto mar cobravam seu preço.
Zoe não ligava.

Na verdade, a única coisa que lhe importava naquele momento era chegar o mais rápido possível ao alto da colina dos Delacroix.

A saudade lhe apertava o peito.
A moça adentrou pela casa; não pensou em tirar as botas e nem mesmo em esperar o mordomo abrir a porta. Ela não reparou se alguma coisa na mobília tinha mudado, ou se existia algo diferente que precisasse de sua atenção. Zoe só tinha um único objetivo:

— Pai! — gritou, enquanto adentrava o vestíbulo. — Pai, cadê você?

— Na varanda, meu bem! — foi a resposta do progenitor.

Ela não esperou nem mesmo um segundo; com um sorriso imenso subiu as escadas o mais rápido que conseguiu, para enfim se lançar nos braços fortes e quentes de Ernes Delacroix.

— Minha menina — ele a apertou saudoso. —, quanta saudade meu velho coração terá que suportar ainda?

— Ah, papai! — a morena deitou a cabeça no vão de seu pescoço. — Os meses pareciam que não passavam mais!

— Foi uma longa viagem pelos mares do sul. Como estava o clima?

— Como sempre nessa época do ano — respondeu, antes de se afastar e encarar o homem à sua frente.

Ernes era um homem alto e forte, os cabelos brancos não lhe atribuíam nenhuma fragilidade, muito pelo contrário, deixavam sua postura mais sábia e imponente. Os anos passados sob o sol do alto mar faziam com que sua tez possuísse um tom dourado.

— Estive tão preocupada com a sua saúde! — Afirmou a filha. — O que Sales tem dito sobre a sua doença?

Ernes Delacroix era o lendário capitão do navio Flor de lótus. Era respeitado e conhecido por todo o reino de Gaily. Contudo, uma doença o acometeu, fazendo com que ele tivesse que se aposentar contra a própria vontade. Isso fez com que a única filha, Zoe Delacroix, assumisse o legado da família.

Os negócios sofreram um pouco com isso.

Não que Zoe não fosse capaz, mas muitos comerciantes ainda estavam inseguros sobre sua capacidade e desenvoltura no mar, contudo ela já estava se tornando um nome muito respeitado entre os marinheiros.

— Que estou melhorando — Ernes respondeu —, não consegue ver toda essa minha vitalidade? — perguntou divertido.

Zoe olhou no fundo dos olhos verdes de seu progenitor, havia tanto amor e esperança ali. A moça queria acreditar que ele estava bem e que iria ficar com ela para todo o sempre; assim ele poderia protegê-la de todo o mal.

Mas, a capitã sabia que isso não era verdade, sabia que a melhora de seu pai adivinha dos dias quentes da primavera.
Por isso, olhou no mais fundo daqueles olhos amáveis e encontrou sua confiança: Faria o que fosse necessário para que ele permanecesse com ela o máximo de tempo possível. Ela cuidaria dele!

— Eu te amo, papai! — declarou com um sorriso doce.

— Eu te amo muito mais! — a resposta veio acompanhada de um aperto ainda maior dos braços fortes em volta da moça.

— Ah, quanta melação! — Fergus retrucou na entrada da varanda.

— Fergus! — Ernes nem se dignou a responder a brincadeira do recém-chegado, apenas abriu os braços para que seu melhor amigo lhe cumprimentasse como deveria.

O homem de sorriso fácil era o vice-capitão do navio, além de ser o braço direito do pai de Zoe, ele também era como tio para a moça, já que a viu crescer. Fergus subiu a hierarquia do navio desde o posto mais baixo, por isso conhecia o Flor do lótus como a palma de sua mão.

Ele poderia ser considerado um homem assustador já que contava com seus um metro e noventa de muitos músculos malhados pela força das ondas. O negro inconscientemente se mantinha de braços cruzados e postura ereta, o que evidênciava seu porte. A voz grossa como trovão e cenho franzido por conta da claridade do sol, formavam a ilustração perfeita de um maldoso marinheiro, contudo, tudo se perdia quando ele abria seu sorriso de uma única convinha, e claro, o humor ácido sempre contagiava a todos.

Após se cumprimentarem, Fergus se virou para o amigo e, com um sorriso aberto, declarou apontando para Zoe:

— Como pode ver, eu cuidei direitinho dela!

— Cuidou de mim? — Zoe entrou na farra. — Pai, não acredite nele, ele dá mais trabalho do que todos aqueles marujos juntos! — A capitã apresentou sua queixa, recebendo uma amostra da língua do negro a sua frente.

— Fergus, há quanto tempo, meu amigo — Delacroix ignorou as farpas dos dois à sua frente, ele já estava mais do que acostumado com aquele clima.

— Você envelheceu — Fergus deu de ombros como se o tempo não passasse para ele também.

Ernes tinha Fergus como um irmão, ambos amadureceram juntos e por isso seguiam sendo amigos desde a infância, época em que corriam pelo porto de Gaily imaginando qual daqueles imensos navios eles comandariam um dia.

— Você engordou! — Mesmo sendo amistoso, Ernes era tão debochado quanto o amigo.

— Olha quem fala — Fergus rebateu divertido. — Isso na sua barriga não é um tanquinho, meu companheiro.

Zoe encarou aqueles dois grandalhões e sorriu, ela se sentia tão bem por finalmente estar em casa que não conseguiu conter o suspiro de satisfação. A moça sabia que em breve teria que visitar Sales, precisava saber o estado de saúde do pai, porém, naquele momento, tudo que ela fez foi desfrutar da sensação que era estar em casa novamente.

 A moça sabia que em breve teria que visitar Sales, precisava saber o estado de saúde do pai, porém, naquele momento, tudo que ela fez foi desfrutar da sensação que era estar em casa novamente

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Primeiro capítulo publicado!
A ideia é publicar todo domingo, conto com vocês!

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