IX

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Ano 545 - Gaily

Zoe encarou o estranho homem que havia esbarrado com ela na feira, a postura do mesmo era despreocupada, como se nada na vida fosse capaz de tirar aquele sorriso enviesado de seu rosto.
Ele mantinha as mãos no bolso da calça cáqui, que compunha o terno de mesma cor, típico das regiões de Versya, e claro, o indispensável broche de abelha também estava presente.

- No que posso ajudá-lo, já que tudo que fez foi levar minhas coisas com você? - A moça conseguiu segurar a indignação em sua voz, mas a sobrancelha arqueada mostrava não só seu descontentamento, mas também o sarcasmo.

- Se me permite lembrá-la, você pegou a minha maleta primeiro... - o rapaz se inclinou levemente na direção dela, apenas realçando a postura tranquila. - Mas, não tem problema, podemos destrocar, afinal o trompete é...

- Muito inútil, para mim - Zoe deu de ombros.

O visitante não se abalou com a afronta mascarada da capitã, pelo contrário, se divertia com a forma que ela levava a discussão a diante. Ele, com seus vinte e três anos, tinha o corpo alto e forte, os cabelos castanhos não eram cortados tão baixo, o que permitia que fosse repartido na lateral, emoldurando o rosto e adicionando charme a sua pessoa. Não que ele precisasse, já que o sorriso enviesado chamava até mais atenção que os olhos verdes profundos e curiosos.

Fergus, o outro ocupante do cômodo, observava o diálogo em silêncio, nunca tinha presenciado sua capitã tão disposta a assassinar alguém apenas com o olhar. Nínive, por sua vez, aproveitou a entrada do rapaz para dar o fora dali o quanto antes.

- Oh, isso é ótimo, abelhinha! Me dá a certeza de ter meu precioso bem de volta. Não imagina o quanto fiquei desgostoso só com a ideia de nunca mais vê-lo.

- Meu nome não é abelhinha - Zoe bufou, incapaz de segurar o descontentamento.

- Deveria, você vive zumbindo e não para de trabalhar um segundo, pelo que pude notar pelos objetos da maleta - O estranho assoviou.

- Você mexeu nas minhas coisas? - perguntou pausadamente.

- Queria te encontrar a fim de trocar as coisas - deu de ombros.

- Ótimo, amanhã pode buscar seu instrumento, tenho que preparar as coisas para uma viagem. Passar bem! - E assim a capitã já se preparava para deixar o cômodo.

- Zoe, espere! - Fergus se pronunciou pela primeira vez.

Ao olhar para o amigo, a moça ligou os pontos, ela estava de costas para o estranho, o que a permitiu fazer uma careta de desgosto. Não era possível, que num mundo tão grande, justamente ele, tinha que ser...

- Quero te apresentar ao nosso novo empregador! - Fergus continuou e viu sua capitã virar novamente para o rapaz em câmera lenta. - Esse é Theirry Wright, representante de Versya.

O rapaz mantinha o sorriso inabalável, enquanto via Zoe ganhando um tom rosado por todo o rosto. Ele não sabia dizer se por raiva ou vergonha.

- É um imenso prazer conhecê-la, capitã Zoe Delacroix! - Theirry estendeu-lhe a mão para a cumprimentar. Assim que a moça aceitou, ele completou - Ouvi muito sobre a senhorita, mas nada como o que meus olhos contemplaram.

Zoe notou o duplo sentido da frase, porém ignorou. Isso parecia ser uma ótima forma de manter sua sanidade mental.

- É ótimo conhecê-lo, sir Wright. - O sorriso da moça era tenso, mas enganava bem.

- Me sentiria confortável se me chamasse de Theirry, melhor ainda se fosse They. Já que teremos muitos dias na companhia um do outro...

- O que isso significa? - naquele momento, Fergus se perguntou como They era capaz de sustentar aquele olhar raivoso de Zoe com tanta naturalidade.

- Eles vão conosco - Fergus respondeu baixinho.

- Nenhum contratante vai junto - Zoe continuou o diálogo, ainda sem acreditar.

- Não é uma viagem comum e nem o financiamento é corriqueiro. Temos espaço no navio. Não achei que iria se importar.

Zoe provavelmente não se importaria, não faria diferença se mais alguém estivesse em sua embarcação, sendo que essa pessoa fosse qualquer uma de menos o humano sorridente diante de si. Porém, parecia que ela não estava com sorte nesse quesito.

- Espero que tenha costume com o molejo do mar, Sir Wright - Zoe lhe lançou um olhar desafiador.

- Será interessante! - They admitiu animado.

Como a presença de Theirry e seu assessor eram inalienáveis, a capitã decidiu que era melhor poupar suas forças, afinal previa muitas discussões com o novo tripulante de seu navio. Dado esse motivo, passou a discutir algo que fosse mais prático.

- Como vamos localizar a princesa? - perguntou encarando o único mapa que acharam sobre as águas do leste. E ele não possuia muitas informações.

- Não sabemos - They foi sincero.
Os responsáveis pelo Flor de lótus ergueram os olhos para o versyano como se ele fosse lunático.

- Você está de brincadeira, né? - Zoe suplicou.

- Não - o rapaz respondeu simplesmente.

- O que você quer dizer com não? - A moça se controlava para não surtar.
Ela que gostava de planejar todos os pormenores estava saindo numa viagem sem qualquer plano que não fosse atravessar o mar mais perigoso do mundo.

- Exatamente o que ele significa. Acho que os significados são iguais tanto aqui, quanto em Versya. - They divagou um pouco em seu sarcasmo.

- O que queremos saber - Fergus notando que Zoe não daria conta de continuar o diálogo, tomou a palavra -, é como que Versya está bancando uma excursão desse tamanho, sem nem mesmo ter um plano!

Foi esse o primeiro momento em que Theirry assumiu uma postura completamente séria, até a sua postura foi aprumada com autoridade. Zoe gostou de ver que ele sabia ser profissional.

- A família real de Versya foi massacrada em um ataque há alguns anos, a princesa, como vocês sabem, foi realocada para o leste. Esta é a única informação divulgada. Isso visava a segurança da herdeira. - They fez uma pausa. - No momento, Versya tem sido governada pelos partidos do conselho hexagonal, porém se tornou inadiável que a princesa assuma seu trono, custe o que custar.

Zoe sabia o que era lutar contra as possibilidades, ela estava fazendo isso para com a doença de seu pai. Por isso, ao ouvir Theirry soando sério pela primeira vez desde que se conheceram, Zoe depositou fé nele. Por mais absurdo que fosse viajar sem um plano, eles fariam dar certo. Ela daria tudo de si:

- Sairemos depois de amanhã ao alvorecer. Estejam prontos! - E assim a destemida capitã, deixou o escritório, precisava se preparar para a viagem.
Ela precisava de informação, ainda que os mares do leste não tivessem sido mapeados.

 Ela precisava de informação, ainda que os mares do leste não tivessem sido mapeados

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Que a viagem comece!

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