Capítulo 3 - Retardado da Academia

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Olho pela janela do meu quarto, o sol já está entrando pela cortina e pelo visto dormi demais, mas quando olhei a hora que tinha chegado me dei conta que fiquei mais tempo que esperava.

A casa está silenciosa, ou seja, meu pai já saiu para algum bar e minha mãe deve ter ido no mercado. Dia comum e normal na minha família.

Saio da cama e me jogo no sofá da sala, aproveito o silêncio para pensar em tudo que aconteceu. Não foi uma noite como esperava, principalmente a questão dos idiotas, mas o que mais me tirou o sono foi não saber quem foi aquele garoto que me ajudou. Eu queria ter perguntado seu nome, mas não o fiz. E sei que não vou saber tão cedo ou nunca, pelo jeito dele não deve mais morar aqui, deve ter vindo só pela festa.

_ Finalmente você acordou, já não gostei de você não ter ido para a academia hoje. Eu falei que era todo dia, mas pelo menos você hoje vai começar no cursinho, já se prepara, porque a moça disse que lá eles pegam pesado mesmo. Não querem moleza. - minha mãe entra pela porta da sala e já começa a falar e eu ainda nem sei o que quero fazer do dia.

_ Ah, mãe logo hoje? Posso não ir? Semana que vem começo, que ideia começar as aulas do cursinho um dia depois do aniversário da cidade.

_ Nem me vem com essa! Eu já tinha te avisado há semanas, você que não prestou atenção. Anda levanta aí e vem me ajudar, comprei alguns cadernos de uma vez para você, as apostilas vão entregar lá. Então levanta de uma vez que sua velha já não tem mais idade.

Até parece, minha mãe tem o pique de uma adolescente, nunca vi tanta disposição na vida.

_ Aí mãe, eu...

_ Sem eu, você vai almoçar, arrumar suas coisas, vai malhar na Action já leva uma muda de roupa e se arruma lá. E de lá direto pro cursinho e prestar muita atenção. Você sempre me disse que quer ir estudar fora, então é o único caminho, estudar e passar em uma federal. Você sabe bem que não tenho condições nenhuma de te sustentar em uma particular. - se eu sei? Sempre soube, não ter consigo uma boa nota no último exame foi uma tristeza, mas eu já esperava, ainda mais que um dia antes...

_ Tudo bem, mãe. Tudo bem. - prefiro me concentrar no presente porque é mais fácil. Do que relembrar o que vivenciei, mesmo que ainda me doa muito. E sei que minha mãe sabe muito bem, mas prefere não seguir por essa linha. Aqui em casa é sempre assim, quando o assunto fica tenso, melhor sempre fingir que não aconteceu e seguir sendo a família padrão e feliz do bairro.

Saio de casa de tarde, cálculo exatamente o tempo que vou gastar para malhar, tomar um banho e descer pro cursinho. Não vejo meu pai chegando, mas quando passo pela sala para ir embora o vejo desmaiado no sofá. Não é uma visão que eu vou me acostumar, mas já sei que não quero que ele me veja hoje, pois quando ele está assim, tudo que eu faço o incomoda.

_ Mudou o horário, Patrick? - a moça da recepção me chama quando entro pela academia. Sinceramente não me lembro de como cheguei ali, tem muitos momentos na minha vida que pareço que desligo de tudo.

_ Sim, Regina, não aguentei levantar cedo. Ontem eu apaguei quando cheguei. Mas já era muito tarde. - Regina concorda e me conta que também teve imensa dificuldade para acordar mesmo saindo antes da festa, mas que valeu a pena, ela saiu muito bem acompanhada segundo suas palavras que me fazem ri.

Entro na Action e não vejo Erick, pelo visto ele só deve trabalhar de manhã aqui. Começo a ficha sozinho e já sei que não vou vir mais neste horário, com Erick perto é de boas, mas sozinho de fato me sinto deslocado aqui dentro, não converso com ninguém e nem tento me aproximar, pelo visto cada um fica na sua aqui.

_ Cara, levanta mais peso, tá doido. Só isso? - um dos professores se aproxima de mim, não lembro de tê-lo visto no show com o pessoal ontem.

_ Eu comecei essa semana, esse peso já está me matando. - digo e volto ao exercício, não quero dar conversa, não sei quem ele é, mas já não gostei dele.

_ Que isso, mas acho que você consegue aumentar. Quem fez sua ficha?

_ O Erick. - respondo sem vontade.

_ Por isso, ele pega leve com alguns aqui. Mas pode pegar o de 10Kg, 4kg é sacanagem. Tu é homem! Tem força ou não é homem? - ele termina de falar e os caras que estão perto me olham, eu quero sumir. Digo para o professor que amanhã eu pego, mas que hoje não vai dar tempo porque já estou indo embora.

Deixo ele parado e começo a ir para o banheiro me arrumar. Sinceramente não volto aqui de tarde. Esse cara é um babaca de mão cheia. Só espero que ele não venha falar comigo aqui.

_ Patrick, você que está aí? - acabo de fechar a porta do Box e ouço a voz de Erick.

_ Sou eu sim. Achei que você não estava aqui, não te vi - digo enquanto ligo o chuveiro, ótimo que deixei minha roupa toda na mochila, não esperava que entrasse ninguém, ainda mais que a academia estava bem vazia.

_ Eu estava lá em cima. Estava tomando café e aproveitando o tempo. Volto daqui 5 minutos, só soube que você estava aqui quando o Renato subiu e disse que um dos meus alunos estava aqui e que ele tinha visto que a ficha estava muito leve. Quando eu perguntei o nome ele me disse e eu desci.

O nome do idiota é Renato então.

_ É... ele chegou perto de mim agora no final. Ele é um... - paro de falar, não quero que o Erick pense que falo mal das pessoas.

_ Eu sei, não precisa falar. O Renato é meio sem noção, tem horas, mas ele é um bom profissional, Patrick. Só não tem muito tato.

_ Sei, ele me fez passar vergonha. Sinceramente. E eu não malho se você não estiver aqui. - digo e tampo minha boca, eu não deveria ter dito isso. Desligo o chuveiro e fico lá dentro sem jeito.

_ Patrick.

_ Esquece Erick, eu falei sem pensar, eu não pago personal então sei que você não deve ficar preso a mim. Falei sem pensar.

Erick não diz nada e eu termino de me secar. Abro a porta e ele está aí sentado. Minha bolsa está perto dele e eu vou até e pego uma cueca que trouxe. Eu me viro para vesti-la.

_ Vou deixar você se trocar, cara, mas só uma coisa. Você não disse nada de mais, e não preciso ser seu personal para te ajudar. Só me pegou de surpresa, mas se precisar só vir mais cedo que te ajudo. E... - ele para de falar e noto que ele me olhou e me viro. Seu olhar estava nas minhas costas, na cicatriz que carrego.

_ Valeu! Então, amanhã venho cedo. Hoje que não aguentei levantar por conta do show. - Erick apenas concorda e sai do banheiro, me troco rápido com receio de mais alguém entrar. E saio da academia.

Tem coisas que só acontecem comigo, só pode. Chego no cursinho cedo e já acho a sala. E que sala! Acho que nunca vi uma sala de aula tão imensa e já quase toda ocupada. Vou para o fundo da sala, pois todas as cadeiras da frente já estão ocupadas ou com bolsas de alunos que devem estar pelo corredor.

_ Ei, tem alguém aí atrás? - levanto a cabeça do caderno que tinha acabado de abrir e me deparo com aquele olhar. O olhar do garoto que me salvou ontem...

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