Capítulo 4 - Só mais um dia... só mais um ano...

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Como assim? O garoto que me ajudou ontem está aqui. E está perguntando se tem alguém atrás de mim. Seu olhar ao notar o meu percebe que me conhece é claro como água.

_ Você, você me salvou ontem. - digo na hora que ele se senta. Eu.. eu.. queria..

Ele sorri e aquele sorriso é algo que me faz rir também.

_ Me chamo Ramon. - ótimo, agora sei o nome dele. E ele deve me achar um idiota, mas é a vida.

_ Eu só queria agradecer por ontem. Eu não consegui falar muito, mas você me salvou.

_ Não foi nada. Mas uma coisa quero saber, como você se chama?

_ Patrick, e pelo visto a gente vai se ver muito agora, aula todo dia. Primeiro ano no cursinho?

_ Não, terceiro. Estou tentando medicina desde que me formei. - começo a calcular a idade dele e me espanto, Ramon deve ter seus 20 anos. Ele deve me achar uma criança.

_ Vish! Medicina? Mas pelo menos já sabe o que quer, minha mãe me colocou aqui, mas eu não faço ideia do curso que irei tentar. A única coisa que quero é sair dessa cidade. Não aguento mais.

_ Pow, eu real entendo você, aqui é foda. Ainda mais para quem é gay. Eu sei porque meu primo morava aqui e sofreu bem antes de ir embora. Mas aposto que esse ano você se manda aqui.

_ Eu... eu... eu não sou... g...ga...gay. Eu só... - paro de falar e viro pra frente, bem na hora que o professor entra na sala. Eu não acredito que ele falou isso, porque ele pensou que eu fosse gay? Eu.. na realidade.. respiro fundo.

Não me viro até a última aula terminar e ainda não sei se quero falar algo com o Ramon.

_ Ei, cara, foi mal se eu disse algo que não queria. Eu só pensei, foi bobagem. Enfim. Deixa eu descer. Você mora pra qual lado?

_ Eu, vou pro lado da cojan moro ali perto e não me entenda mal, eu não deveria ter falado o que disse. É complicado. Eu ouvi muitas pessoas debochando de mim assim aí você disse e eu surtei com tudo que passei, mas enfim. Está de boas. - eu não sei nem o que estou falando, a verdade é que

_ Entendo, mas só para deixar claro ser gay não é vergonha. E eu super apoio, eu sei que você me falou que não é, mas é isso. O que aprendi com meu primo é sempre deixar claro que não tem problema em ser quem você é.

Saio com Ramon sem falarmos mais nada. Não sei o que falar. Ele segue para a rua de baixo e eu subo. Já está deserta, mas não posso nem sonhar em falar para meu pai me encontrar, como ele sempre deixou claro "homem se cria sozinho para aprender a ser homem". Subo o morro ainda tentando entender porque reagi e como agir quando Ramon falou sobre eu ser gay.

_ Ei, o que você está fazendo na rua tão tarde? - me espanto em ver uma voz conhecida vinda de um carro. - Erick está sentado no carro e eu não o reconheci por conta da escuridão que a rua está.

_ Quer me matar de susto! Eu estou voltando da aula. Acabou agora.

_ Uai, mas você ia voltar sozinho? Você sabe que está tendo muitos assaltos, né?

_ Sinceramente, não sabia, mas eu iria voltar como? Lá em casa ninguém tem carro e sem chances de pagar Uber todo dia.

_ Seu pai não podia vir te encontrar, não?

_ Meu pai... é complicado, mas resumindo, ele sempre disse que na minha idade já andava sozinho e era para eu aprender porque homem aprende a se criar assim, se virando.

_ Cara, seu pai é antigo, né? Isso para dizer o mínimo, mas com todo o respeito. - seguro a risada, meu pai é muita coisa, mas antigo é a forma mais básica que eu ouço para defini-lo.

_ Meu pai é complicado e acredita que homem nasceu para ser homem machão mesmo. Então ele não liga muito.  - prefiro deixar assim sem falar muito.

_ Entra aí que te deixo em casa. Sem chances de você continuar indo sozinho.

_ Não quero atrapalhar você. Eu me viro e outra se meu pai me ver chegando com alguém vai começar a perguntar e se ver que é um cara vai ser um inferno. Eu...

_ Entra aí, se não formos de carro, vou a pé com você, mas vai demorar mais e será mais perigoso. - entro no carro, porque o Erick só deve ser maluco.

_ Erick, falando sério me deixa na esquina, mas não para em frente.

_ Ontem eu te deixei lá e não foi problema.

_ Ontem era algo a parte, meu pai...

_ Seu pai... tudo é seu pai... por que seu pai iria implicar de alguém lhe deixando em casa? É só isso que não entendo. - diz Erick ligando o carro. Me viro e fico olhando para a rua, não tem como explicar sem falar demais. Meu pai sempre me pressionava e sempre repetia que eu tinha que ser macho. E... seguro, porque sinto que vou chorar. E não posso, chorar não é algo que possa fazer nunca.

Erick para o carro na esquina da rua e acende a luz do carro e sei que ele nota que estou chorando, mas não diz nada e eu agradeço.

Desço do carro e vou até em casa, entro sem fazer barulho e abro a porta, a casa está silenciosa, mas...

_ Você pensa que eu não vi - ouço a voz antes de sentir o soco nas costas. _ Eu vi você descendo do carro, quem era? Eu disse para você ser homem e não vir aqui de carro com outro cara. - Um chute na barriga me faz cair no chão e eu seguro o choro, minha mãe não está à vista e já deve ter dormido e não quero que ela veja isso de novo.

_ Pai, eu.. - meu pai me chuta de novo e eu fico quieto, é nítido que ele está bêbado e nada que eu falar vai surtir efeito. Sinto seus socos em silêncio até que ele pára e vai para dentro. Me levanto e vou até meu quarto. Não é a primeira vez que ele me recebe assim e eu sei que não vai ser a última. Desde meus 12 anos ele tem essa reação comigo. É só ele achar que tenho alguma atitude não masculina e apanho. Hoje já me acostumei.

Espero que o corredor fique em silêncio e vou para o banheiro e deixo a água levar toda a dor, tudo que estou sentindo, amanhã ninguém vai saber o que aconteceu, pelo menos onde ele bate eu consigo cobrir. Só mais um dia, só mais um ano...

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