Meu corpo dói quando acordo, mas respiro fundo, eu já me acostumei com as surras, principalmente quando ele bebe. Não é nada de novo e mesmo que minha mãe não tenha presenciado, ela sabe, mas finge que não sabe. Aqui em casa sempre foi assim, todo mundo finge que não aconteceu algo que é para mantermos a imagem da família perfeita.
Se eu culpo minha mãe? Não, ela foi criada e cresceu com o pensamento que uma mulher deve apoiar cegamente seu marido, para que o casamento se mantenha até o último momento. Quando meu pai perdeu o emprego, ela começou a trabalhar por mais horas contra a vontade dele, mas ele só acabou concordando quando viu que ela ainda o obedecia em tudo. E as surras em mim só pioraram. Cada trejeito que ele via em mim era um tapa, e com o tempo os tapas se tornaram socos e depois chutes e eu, bem, eu aprendi a tapar os machucados, a cobrir os roxos e a ignorar a dor que o corpo passava. Não foi fácil, mas eu via que não tinha outra saída, eu ainda lembro quando ele me espancou pela primeira vez. Eu não estava fazendo nada demais, apenas rindo, mas para ele era demais. O soco veio seguido de outro e uma voz dizendo que me criou para ser homem, no início achava que mãe iria interferir, mas...
Visto minha roupa, uma blusa longa fina, mesmo que não esteja com frio, ela vai ajudar a disfarçar as marcas na barriga e no braço, infelizmente eu o usei para tentar desviar os chutes. Pego um moletom, porque não posso sair sem calça por alguns dias, sinto a dor quando o moletom sobe, mas respiro fundo. Ninguém pode saber, ninguém pode falar. Eu sei que se alguém souber vai piorar a situação.
A primeira parada do dia é a academia, depois sei que vou procurar um emprego para ficar a parte do dia fora e de lá cursinho. Não vou aguentar ficar em casa, ainda mais depois de ontem de noite. Pois hoje eu sei que toda vez que meu pai me olhar ele vai falar que eu fiz por merecer e minha mãe apenas vai concordar com ele.
Um dos bons motivos de vir cedo malhar é que não tem quase ninguém, passo por Regina e sorrio para ela, hoje não quero conversar, mas eu sei que ninguém tem haver com a minha vida então não maltrato nenhuma pessoa.
_ Achei que ia desanimar de vir hoje. - diz Erick chegando perto de mim. Estou no primeiro exercício e ele chega sorrindo.
_ Lógico que não, minha mãe me mataria. - digo e volto a me concentrar.
_ Ah, mas... - Erick encosta em meu braço para me cumprimentar e eu seguro o grito de dor, ele encostou bem onde ficou um corte. Sua expressão é estranha e eu digo que foi porque cai de noite.
Treino em silêncio, mas ele não sai de perto de mim. Não tem um momento que ele me deixa sozinho.
Finalmente termino o último aparelho e vou até o banheiro, preciso trocar essa roupa e tomar um banho, já que vou procurar serviço.
_ O Patrick, você esqueceu seu celular e - Erick entra no banheiro no momento que estou só de cueca, ele me olha espantado, eu sei que meu corpo está todo marcado.
O momento é constrangedor, pois ele pára na entrada da porta e eu estou de cueca e com roxos em todo o corpo. Eu quero sumir, eu não quero que ele saiba o que eu passo, ninguém merece saber. Ninguém, ainda mais aqui nessa cidade onde isso iria render confusões épicas.
_ Valeu, Erick, deixa aqui perto da mochila que quando eu sair eu pego. - digo e entro no chuveiro encostando a porta. Não quero que ele pergunte, não quero que ele diga nada.
_ Tudo bem, o cara precisa de algo só me avisar se quiser... Se só quiser conversar, você sabe onde me encontrar.
Escuto a porta se fechando e deixo as lágrimas que tanto segurei rolarem. É.. só espero que ele nunca comente nada com ninguém. Só espero que ele fique quieto. Eu só preciso aguentar esse ano e depois se tudo der certo eu vou sumir daqui e vou poder ser feliz...
Interlúdio de Erick
Subo para o andar de cima da academia e entro na sala de avaliação, ela está vazia e eu me sento. Na real desabo, aquelas marcas... ele deve levar surras e surras e nada. Como ele aguenta? Cara é surreal ver o que ele deve passar. Eu sei que aqui eu já ouvi e vi histórias e sempre fiquei quieto, não é porque ouço e vejo que saio falando, algo que aprendi desde que comecei aqui.
Tenho vontade de falar com a Lavínia, mas eu sei que ela iria querer interferir e pelo o que vi, Patrick é um jovem que não quer que ninguém se envolva e eu preciso testar isso, mesmo não concordando.
Além de não fazer ideia em quem o está machucando e o motivo, tenho uma teoria? Sim! Mas não é certeza e não posso deduzir nada, ainda mais se tratando de um garoto que acabei de conhecer.
Respiro fundo e desço, o dia só está começando e eu não posso mudar o mundo, mas posso ficar de olho... pois se for o que eu penso, eu não posso deixar tudo acontecer novamente...
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As Cartas nas Estrelas
Teen FictionPatrick tem 17 anos e sonha em sair da pequena cidade de Ponte Nova, interior de Minas Gerais. Seu maior sonho é poder se entender e ser feliz longe de todo o preconceito velado de opinião. Mas a vida reserva muitas surpresas, algumas incríveis e ou...