Emilly.

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Sabe aquele momento em que você se sente cada vez mais desamparada quando se aproxima de algo terrivelmente complicado e frágil? Thomas era o tipo de garoto que eu gostaria de manter distância, ainda mais porque meu histórico com ele não é muito bom.

Flashback: Emilly e Thomas.

Thomas sempre foi um garoto simpático, ainda que fosse bastante perturbado e tomasse tarja preta. Eu me sentava ao seu lado na carteira e era sua dupla nas aulas que íamos para a quadra fazer educação física (Clara sempre dizia que estava com dor de barriga só para não ter que ir nas aulas e ninguém queria ser minha dupla, então eu ficava com o Thomas mesmo). Ele descontava boa parte de sua raiva no basquete e sempre teve uma grande admiração pela sua psicopedagoga, que o acompanhava por toda a escola desde que descobriu que ele utilizava objetos cortantes escondido. Embora eu trocasse umas 3 palavras com ele, eu sentia que não era o suficiente, e tentava me comunicar com ele no almoço. Naquela época, ele era excluído, mas se não fosse pelas suas ameaças e armas brancas que ele sempre tinha um jeito de levar escondido, as pessoas fariam muito bullying com ele.
- Oi, Thomas. - Falei me aproximando e carregando um pote que tinha uma imagem de um unicórnio na tampa, onde tinha meu lanche. Dei um sorriso infantil para ele, daqueles que só as crianças sabem dar. Eu era uma fofa no fundamental: as vezes utilizava uma tiara rosa pastel (vibe Valéria do Carrossel), aquelas benditas meias (só quem leu o primeiro capítulo entende) e uma saia que ficava nos joelhos e tinha um tom de rosa nem tão escuro nem tão claro. Os meus sapatinhos eram estilo "Mary Jane" (não lembro o nome das sapatilhas pretas padrões infantis daquela época) e eram pretos.
- Oi. - Ele falou de modo extremamente sem graça. Nem mesmo um sorriso, nem um olhar açucarado, nem interesse...
— Posso lanchar com você? — continuei parada, falando de modo dócil. As minhas bochechas eram levemente coradas na presença de Thomas. Aguardei por uma aprovação do garoto, mas ele era tão seco que me deu um olhar daqueles estressados como quem dissesse: "anda logo." 
- O que você quer, Laura? - Ele dizia dando uma mordida bruta no sanduiche que havia tirado da lancheira.
- Como assim "Laura"? Meu nome é Emilly... - Eu disse me sentando. Ele me interrompeu:
- Ah, foi mal. Eu não presto muita atenção naquele troço da "presença" que a professora faz.
Sinceramente, nunca entendi a quedinha repentina que tive com Thomas, porque ele sempre me tratou mal. Quer dizer, ele só não lembrava da minha existencia. A partir daquele momento, tivemos uma amizade inseparavel, mesmo que eu fosse a que mais me esforçava para manter a relação ativa. Certa vez, percebi que adolescentes saíam com os amigos para se divertirem em algum lugar legal, então bolei o plano de chamar o Thomas para tomar sorvete. Fui até a casa dele, aproveitando que minha mãe havia me deixado na casa da vizinha displicente para ir trabalhar (a vizinha dormia praticamente o dia todo, e esse era um daqueles momentos que ela dormia como um bebê). Eu estava usando o meu melhor vestido e sapatilha moleca (tudo rosa) e ainda usava um lacinho rosado em cima da cabeça. Toquei a campainha e me coloquei na minha famosa postura de "criança prodigio". Quem abriu a porta foi a mãe do Thomas, e ela simplesmente me recebeu com um sorriso doce e simpático. Era raro Thomas ter amigos, então ela teve um pico de esperança com a minha presença ali.
- Oh, pois não, Emi? - Ela dizia, segurando a maçaneta da porta.
- Bom dia, senhora mãe do Thomas! Queria convidar ele para ir até a sorveteria como dois adolescentes responsáveis. Ele está? - Como sempre, retribui o sorriso da mãe.
- Minha querida, ainda são muito novos para se compararem aos adolescentes... Mas sim, o Thomas está no quarto e não se preocupe, irei falar com ele imediatamente! - Ela disse entre risadas, mas assim que terminou, fechou a porta e se retirou até o quarto do Thomas. Eu fiquei aguardando pacientemente meio entediada e tentei ignorar os esporros da mãe do Thomas dizendo: "não importa se você quer ou não, apenas vá e seja uma criança" vindo diretamente da janela do quarto de Thomas que ficava no primeiro andar. A partir desse dia, eu consegui compreender que não importa o que eu faça, a mãe do Thomas estava ao meu lado e me ajudaria a chamar o Thomas para sair quantas vezes eu quisesse. Depois disso, saí tantas vezes com o Thomas quando ele era criança, que só parei de chamar ele quando vi ele brincando no parquinho com outra menininha. A minha maturidade me disse que ele estava me traindo porque ele não podia brincar com nenhuma outra menina além de mim, então apenas ignorei ele até o ensino médio. 

Flashback off.

- Monique faltou hoje porque tem uma festa para organizar. Dizem que vai ser na casa dela e que não vai ter nenhum adulto "chato" pra pôr limites. - Cruzei minhas pernas. Não conseguia tocar na minha comida quando estava perto de Thomas, e acho que ele percebeu, mas não deu a mínima.
- Quando e que horas? Ah, você acha que ela chamou mais alguém? Tipo, sei lá, o Tiago ou Pâmela? - Ele deu uma mordida no seu sanduíche logo depois de terminar de falar. 
- Com todo respeito, mas você é namorado dela e deveria saber... - Minha fisionomia entregava que eu estava surpresa. Eu olhava bem nos olhos de Thomas aguardando a verdade.
- Emilly, será que você poderia me servir de algo? Porque eu sinto que, mesmo depois de tantos anos juntos, você é uma completa estranha inútil para mim. - A tonalidade da forma como ele falava foi ficando agressiva, e pude notar que ele estava com os punhos cerrados e sua respiração estava desregular. Me senti intimidada, de fato, então apenas arregalei levemente meus olhos e minha boca estava boquiaberta com essa atitude repentina. Me apressei para dar as devidas informações de tudo que ele me pediu. Ele disse que não gostaria de ir, mas que tinha alguns assuntos para tratar com ela. Eu senti que ele estava realmente bravo, e tipo, qual é o problema da sua namorada dar uma festa? 

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