Eu, as crianças e o martírio

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Estava tudo em câmera lenta. A bagunça, os gritos, os pedidos por bolinhos, o mexer de mãos de Ryo. Ao mesmo tempo que eu processava aquela realidade, eu repassava de novo e de novo todos os parágrafos e cláusulas do contrato que eu havia assinado mais cedo. Procurei por qualquer frase, que ainda estava fresca na minha mente, que pudesse me elucidar, ao menos pouco, sobre como uma criança havia se tornado quatro.

Os termos do contrato eram bem explicativos e normais, quando eu tomava como base os contratos que uma vez eu assinei. A única coisa que realmente deixava claro — e que eu fui burra o bastante pra não me atentar — era o valor do meu salário. Um valor como aquele que havia sido depositado na minha conta, era mais que explicativo quando eu via as quatro crianças na minha frente. Era óbvio. Porém, eu não me atentei a esse pequeno grande detalhe.

Uma criança era ok; duas? tolerável. Três? Inaceitável. Quatro? Um pesadelo.

Eu não conseguiria fazer aquilo. Jamais! Contudo, eu já havia assinado o contrato e meu período de experiência só terminaria dali a quarenta e cinco dias. Não poderia desistir do emprego antes de finalizar minha experiência, porque eu teria que devolver todo o dinheiro que eu já havia gastado — uma cláusula do contrato que piscava em alerta na minha mente.

Assim, a contragosto e mascarando todo o desespero antes expresso no meu rosto, eu me movi em direção ao três que brigavam no sofá. Eu segurei o casaco de um dos gêmeos, sem ao menos saber quem era quem, e puxei.

— Larga! Larga ela! — eu disse alto, tentando livrar a mais velha do agarro em seu braço.

Em teoria, eu deveria ser a mais forte naquele cabo de guerra humano, mas a criança possuía uma força muito superior a minha. Eu me agarrei ao braço livre dela e a puxei com mais força, o que resultou numa queda em direção ao sofá atrás de mim e um esmagamento por um corpo pequeno. De novo.

Eu levantei rapidamente, retirando o menino, eu percebi, de cima de mim e o colocando deitado no sofá. Entre gritos e zombarias e almofadas, eu me pus entre as duas que ainda brigavam no sofá e as afastei, estendendo minhas mãos para cada uma delas, numa forma de reiterar meu afastamento.

— Para! Chega! — eu disse sério e as duas finalmente pararam de tacar almofadas uma na outra e principalmente em mim.

— Eu juro que da próxima vez que você pegar minhas coisas eu vou te... argh! — Mahina disse entredentes com a face tomada por uma fúria juvenil.

— Vai fazer o que? Me maquiar pra eu ficar tão feia quanto você? — Yuki ou Yuri, eu ainda não tinha ideia, disse com graça, mostrando a língua pra irmã em seguida. Mahina praticamente rosnou ao meu lado e fez menção de avançar mais uma vez, mas eu a impedi.

— Chega! Parou as duas e estou falando sério dessa vez! — meu tom foi mais firme, sendo minha vez de ficar irritada.

Não somente as duas olharam pra mim, mais também o gêmeo que estava atrás, assim como Ryo e Naoki.

Eu bufei.

— Não precisa de todo esse alvoroço só por causa de um simples delineador.

Me voltando para Mahina, eu disse ao suavizar a minha expressão, tentando passar uma boa primeira impressão. Por outro lado, ela apenas ergueu o canto da boca e cruzou os braços ao dizer com deboche:

— Não me surpreende que alguém que veste verde e amarelo no mesmo look, como se fosse a própria bandeira do Brasil, dissesse que um delineador da MAC é simples.

Eu entortei a boca com aquela ofensa à minha vestimenta. Não somente por causa disso, mais, também, porque aquela forma articulada de argumentação eu já havia sido apresentada. Naoki.

Me, him and the Kids - SASUSAKUOnde histórias criam vida. Descubra agora