9 - A manipulação

131 58 43
                                    

O início da noite em Reganta era tingido por um roxo insosso e desinteressante. A cidade estava movimentada, com alguns de seus habitantes voltando para casa, outros indo enfrentar um turno alternativo. O clima era um pouco frio, o que era um pouco incomum, já que não havia muita variação de temperatura na região. O excesso de prédios e falta de vegetação tornava o ar um pouco estagnado, viciado, o que talvez contribuísse para a irritação e impaciência de seus moradores. Baruc olhava pela parede de vidro do alto de um prédio no centro comercial, entediado. Ele estava sentado em uma cadeira de couro preto, recostado para trás, distanciando-se um pouco da longa mesa escura de reuniões. O assunto discutido ali não o interessava, então sua mente divagava longe, preocupado com outras questões que, pelo menos para ele, eram mais importantes.

Por mais que ali naquela sala estivessem as lideranças mais poderosas de Kairos, as reuniões eram sempre as mesmas ladainhas. Um afagando o ego do outro, favores pedidos, tensões causadas por palavras erradas, implicâncias por migalhas. Tudo era sempre resolvido temporariamente, para logo depois estarem todos se digladiando novamente, trocando ofensas e ameaças às escondidas. As relações interpessoais cansavam Baruc, que preferia se manter neutro e focado em suas próprias invenções. A verdade é que ele era o mais poderoso daquele grupo, podendo mudar a mentalidade de todos com poucas palavras (e um eventual suborno, caso fosse necessário).

Agora mesmo, discutiam mudança na taxação de transporte de materiais entre as principais cidades da região, o que gerou um bate-boca acalorado entre Odurno, o prefeito de Reganta, e dois homens responsáveis por regular a economia do continente todo. Odurno bradava com o dedo para o alto, levantando-se da cadeira em que estava de tempos em tempos, exageradamente. Seu cabelo preto oleoso, grudado à testa suada, nem se movia, mesmo com seu teatro exacerbado de indignação. Seu rosto redondo estava vermelho e lívido, uma reação não condizente ao pequeno esforço que exercia ali, na cabeceira da mesa, presidindo a reunião. Mesmo com todo esse circo montado ali, Baruc nem ouvia o que era discutido, passando vários minutos interessado em como as duas luas de Kairos passeavam lentamente pelo céu escuro, fazendo uma dança lenta e bonita todas as noites.

— E quando vamos falar do nosso célebre aniversariante da vez? — Uma voz ácida e desconfortável trouxe a atenção de Baruc de volta à sala.

O inventor virou o rosto em direção à mesa, vendo que todos estavam quietos, olhando na sua direção. Ele nem percebeu quando a última discussão havia terminado ou se outra havia se iniciado, mas agora sua atenção era necessária. Ele se ajeitou na cadeira, um pouco envergonhado de estar ausente durante toda a conversa, e limpou a garganta, tentando disfarçar seu desinteresse.

— Pois é. Em breve vamos ter esse grande evento aqui em sua cidade, Sr. Odurno, — Baruc disse, entrelaçando os dedos e apoiando as mãos na mesa. Ele não sabia bem o que dizer, se controlando para não pedir para cancelarem toda aquela besteira.

— Nós achamos que este evento vai ser muito proveitoso, — dizia Ariom, seu braço direito, sentado ao seu lado. — No entanto, estou preocupado com a segurança durante o desfile que está marcado. Poucos soldados foram designados para acompanhar o Sr. Baruc.

— Ah, larga de besteira, meu jovem, — Odurno disse, fazendo uma careta que o deixava ainda mais tenebroso. — Já vão ter soldados o suficiente, senão vai parecer uma demonstração bélica. Não é isso que o povo quer ver, eles querem se sentir mais próximos de Baruc, como se fossem seus amigos. E até parece que alguém ia atacar justamente o Baruc. Todo mundo ama ele! Não é mesmo, Guslig? — E Odurno deu uma risada porcina.

— Exatamente, todo mundo te ama, Baruc, — uma mulher Reptoide muito magra disse, com sua voz cínica. Sua pele era parecida com a de Humanoides, porém mais áspera, quase que escamosa, dando-lhe um aspecto ressecado. Seus olhos enormes possuíam uma íris amarela com uma pupila vertical negra. Já que sua raça não possuía cabelos, ela sempre usava um lenço na cabeça, de um tecido refinado e gostoso ao toque. No momento, ela usava um grande pano de tom terracota, enrolado bem apertado. Sua boca tinha lábios finos, quase inexistentes, com dentes serrilhados e pontiagudos, que intimidavam a todos quando ela sorria.

Os Guerreiros do DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora