15 - O desfile

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O frigir dos ovos emitia um chiado constante e um perfume característico, como uma antecipação do café-da-manhã. Baruc tinha maquinários automatizados e funcionários que poderiam fazer esse serviço por ele, mas preferia preparar por conta própria seu alimento. Era como se isso pudesse valorizar a comida, tornando-a magicamente mais nutritiva. Até mesmo um homem tão prático podia ter rituais sem muita lógica.

Suas mãos, já enrugadas, manuseavam os utensílios de cozinha com agilidade, cortando e misturando ingredientes. Seus olhos saltavam entre as diferentes tarefas que realizava ao mesmo tempo, praticamente de maneira automática. Uma música calma tocava no fundo, sem muito efeito na rotina um tanto quanto acelerada do empresário. A única coisa que trabalhava ainda mais rápido era seu cérebro, que não parava de maquinar e planejar, indo do mais simples compromisso ao mais complexo modelo tridimensional de sua próxima invenção.

Quando terminou de preparar a refeição, colocou seu copo com suco sobre a mesa e começou a comer enquanto andava pelo apartamento, que ficava na cobertura de um alto prédio. Sua moradia era compatível com o que se esperava de um grande e rico inventor (ou talvez usurpador). Predominantemente de tons claros, as superfícies eram impecavelmente limpas. As bancadas de mármore branco tinham um ar de realeza. Os móveis alvos davam a impressão de um ambiente moderno, contrastando com os prédios escuros e ruas apertadas de Reganta vistos pelas amplas janelas. O chão refletia a figura imponente da pessoa mais poderosa de Kairos, trajando seu robe escuro felpudo.

Obviamente que Baruc morava em um bairro rico e bem cuidado, mas, do alto de sua janela, conseguia observar várias partes da cidade, inclusive sua imponente empresa. Enquanto admirava a vista, as máquinas e protótipos que tinha em sua morada trabalhavam, limpando e organizando sua casa automaticamente. Essas tarefas ele não se preocupava em fazer pessoalmente.

Quando terminou de comer sua omelete, deixou seu prato sobre a bancada, pegou uma maçã verde de um cesto de vime e se sentou à mesa de tampo de vidro. "O custo está sendo muito alto. Tanto de vidas, quanto de recursos. Eu vou conseguir completar essa empreitada?", Baruc pensou. Suspirou alto, sentindo o cansaço em seus ombros. Foi quando o porta-retratos no centro da mesa chamou sua atenção. Alcançou o retângulo cromado e o trouxe mais perto, analisando a fotografia que guardava.

— Eu vou conseguir sim, eu preciso. Te devo isso — o homem grisalho respondeu a si mesmo em voz alta, acariciando com o dedo a imagem de uma mulher de cabelos castanhos ondulados muito longos, que posava ao lado de um Baruc muito mais jovem. Ele ainda tinha cabelos pretos, mas já portava seu característico bigode, acima de seus lábios sérios. O sorriso da morena era contagiante, quase palpável, mas não era possível analisar bem seus olhos. Na fotografia, ela olhava para baixo, acariciando seu ventre gestante, marcado sob o vestido vermelho simples que usava.

O sorriso tímido e nostálgico que havia se formado no rosto de Baruc sumiu no momento em que seu comunicador tocou, trazendo-o de volta ao presente. Sem muita paciência, deixou o porta-retrato de qualquer jeito sobre a mesa, fazendo um barulho alto, parecendo até ter rachado seu vidro. Ele respirou fundo, já sabendo quem era, antes mesmo de olhar no visor de seu aparelho.

— Oi, bom dia — atendeu, tentando não soar tão irritado.

— Baruc, sou eu, Ariom! Por favor, eu vim te pedir mais uma vez pra você não ir nesse desfile hoje!

— Já falamos sobre isso, Ariom, não tem motivos para se preocupar comigo. Eu tenho que participar desse evento. O povo precisa estar do meu lado para a próxima fase dos meus planos. É só mais uma daquelas jogadas de marketing.

— E os Guerreiros do Destino, Baruc? E o Hiner? Você esqueceu que eu batalhei contra eles aqui no deserto?!

Baruc tinha sido informado logo em seguida da tentativa falha em capturar o Oráculo. Ariom e seus soldados foram todos transportados para um ponto distante no deserto depois do sacrifício de Hakim, impedindo que se reagrupassem a tempo de encontrarem os Reptoides novamente. Essa jogada do velhote e a presença dos Guerreiros do Destino mudaram os planos iniciais de Baruc, fazendo com que ele precisasse manter Ariom por lá.

Os Guerreiros do DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora