O poço do sete/treze

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  Eu sempre pensei que aquele não era o meu lugar de verdade, meu mundo, minha realidade, mas jamais cogitei que eu poderia um dia descobrir que o que eu pensava, fizesse tanto sentido.

Eu soube o que era desde sempre, acho que mesmo antes de falar eu já sabia o que eu era e aquilo que eu era, não podia ser dito em voz alta, não entre aqueles que me cercavam. Sabe, família nem sempre é sinônimo de segurança, as vezes é o lugar mais perigoso para se estar.

Meu lugar seguro era um pequeno espaço esquecido na casa abandonada ao lado: Um poço fundo e seco cercado de uma grama rala que nunca desaparecia e ali eu ficava deitada após minha chegada da escola praticamente todos os dias, cercada por um terreno baldio, paredes decrépitas e um silêncio pacífico.

Era onde eu podia ver o céu, ouvir os pássaros, ouvir os gritos da minha mãe, as brigas com minha tia, os xingos do meu pai com os erros do seu time preferido e tudo aquilo mascarado quando iam aos cultos duas noites por semana. Eu ignorava os sons que vinham daquele lado e me concentrava no eco do poço quando eu ria debruçada nele ou ocasionalmente quando alguma borboleta pousava na ponta do meu nariz e eu imaginava que ela sorria para mim me dizendo coisas como: Aqui você não precisa fingir que é o que não é, aqui você pode ser você.

Eu aprendi sozinha e ao lado daquele poço, muito do que eu viria a controlar quando cresci: Como sussurrar desejos para o vento e ouvir suas respostas, como escutar os sons da natureza, como emprestar da terra em que eu pisava descalça pequenas curas para minhas feridas de criança peralta. Eu aprendia com cada nuance do que me cercava naquele espaço perdido e com uma paciência que hoje ainda me surpreende; eu era uma criança com gana de saber até onde eu poderia ir, mesmo que nunca dissesse o que eu era em voz alta.

Nem a mim mesma.

Eu nunca previ que o que eu era, logo seria exposto do modo mais bizarro.

Era meu aniversário de treze anos e eu estava lá outra vez, na beira do poço de fundo seco e invisível, suspirando sobre minha noite que seria patética, afinal minha mãe que era uma falsa moralista ia me fazer batizar na igreja que ela frequentava sem realmente ouvir meus protestos:

— Você precisa de uma religião menina! Chega de vadiar por aí!

Eu não respondia coisas assim, eu apenas olhava e rolava os olhos.

Sim, eu sou do tipo irônico algumas vezes...

Enfim, eu estava lá resmungando sobre obrigações ridículas e líderes religiosos fraudulentos quando uma pedra vinda de lugar nenhum passou por mim e caiu no poço. Eu estreitei meus olhos e me virei para a parede dos fundos da casa destelhada, mas não havia ninguém, como nunca havia mesmo, desde que eu cheguei ali aos quatro anos achando o lugar ignorado minha descoberta mais impressionante.

Mas a pedra... Ah a pedra ricocheteou e ricocheteou de maneira estranha dentro do poço até parar fazendo um som agudo de algo duro batendo em metal e não em terra.

Naquele momento minha curiosidade foi mais forte do que meu raciocínio lógico. Em minha defesa eu tinha treze anos e estava irritada com a obrigatoriedade de ter que ir para um antro de gente maluca que gritava a pleno pulmões que o diabo rondava o mundo.

Que mal faria eu em eu descer pelo poço e descobrir qual era a coisa metálica lá no fundo?

Na minha cabeça de treze anos, não era nada.

Por isso eu amarrei em minha cintura a corda velha ainda pendurada acima do poço e desci me apoiando nas retransias do poço seco feito de tijolinhos e teia de aranha de jardim. Logo a escuridão me engalfinhou e a luz do céu vespertino se tornava uma lua acima da minha cabeça, mas nem isso foi capaz de me parar, eu desci e desci até que meus pés alcançaram o fundo do poço que... Não era de terra. Era mesmo metálico.

A bruxa dos reisOnde histórias criam vida. Descubra agora