Tempo de qualidade

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P.O.V Miguel

- O retorno ao trabalho era sempre difícil. O corpo se acostuma com a preguiça dos dias, a indisciplina em levantar a hora que der na telha se torna rotina e a procrastinação de deixar pra amanhã o que se deve fazer hoje era corrosiva, mas o dever já me chamava há algumas semanas e eu não conseguia acompanhar o pique dos meus colegas que adoravam a cena de ver alguém sempre disposto e que segurava o tranco até o final fracassando ensaio após ensaio, cena após cena. Eu me sentia como um profissional no início da carreira ali no primeiro trabalho perdido no meio de tantos nomes fortes e talentosos.

Miguel: Aí gente, uma pausa de 15 min por favor! - me sento na cadeira do cenário.

- Eu odiava me sentir assim, sempre batalhei pra conquistar tudo o que tenho hoje, e nem digo tanto em vigor material, mas sim profissional e eu não aceitava deixar a peteca cair assim. Levo a mão no rosto e jogo a cabeça pra trás tentando transformar a frustração em um simples cansaço físico.

P.O.V Marisa

- Ca estamos nós novamente nesse cenário e como passou rápido! As duas semanas de retorno ao trabalho voaram, assim como os dias de descanso. Todos estavam eufóricos para a nova temporada e com o gás. Bem, todos menos o mais hiperativo da turma: Miguel. Ele aparentava estar sem paciência e pede uma pausa, todos acatam e deixam o cenário mas ao ver ele com a mão no rosto e respirando fundo, volto e lhe dou um selinho, o assustando

Miguel: Ai! - tira a mão do rosto rápido e com os olhos arregalados.- um dia você ainda vai me matar com esses sustos. - bufa
Marisa: O que você tem, Miguel? - puxo uma cadeira e me sento de frente pra ele.
Miguel: Eu não sei, só não tô conseguindo acompanhar as coisas, é como se só meu corpo estivesse aqui.
Marisa: E é só seu corpo aqui? - o encaro fundo nos olhos.

- Ele me encara de volta como se os olhos fossem capaz de responder e eu entendi cada palavra que aquele silêncio disse.

Marisa: Tá tudo bem não dar conta de tudo, isso não te faz pior nem melhor, só mostra que assim como todo mundo você tem seus limites e suas fases. Não se cobra tanto, meu amor! Você não precisa ser bom em tudo sempre, desacelerar faz bem. - solto uma piscadela no ar e ele sorri.

P.O.V Miguel

- Marisa tinha o dom de melhorar qualquer ambiente e como era sábia! As palavras dele sempre vinham como uma flecha certeira em seu alvo mudando todo o rumo do indivíduo além de, com uma simples frase, ela virar a chave mestra no cérebro de qualquer um que ousasse ouvi-la e seguir seus conselhos. Ficamos um tempo nos olhando em silêncio, estávamos virando especialistas em deixar nossos olhos conversarem quando não queríamos verbalizar as palavras.

Arlete: Ô Miguel, - entra no cenário com o texto na mão quebrando o silêncio gritante. - desculpa, volto depois. - da meia volta
Marisa: Não, boba! Eu já tô de saída, vou aproveitar e tomar uma água. - se levanta e sai seguida de meus olhos
Arlete: Atrapalhei alguma coisa? - se senta na cadeira outrora ocupada por Marisa
Miguel: Claro que não Arlete! - reviro os olhos.

- Ela continua me encarando com julgamento.

Miguel: Vamos trabalhar né, o dia vai ser longo hoje. - sigo pro centro do cenário. - Bora pessoal!

- Reiniciamos os trabalhos e mesmo com toda dificuldade de concentração e as pausas, vencemos o dia deixando metade do episódio ainda por ensaiar e isso me frustrava um pouco mais por saber que os trabalhados atrasariam e ficaria complicado entregar o episódio no prazo certo e eu era o culpado. Chego em casa e só queria dormir pra ver se o dia seguinte seria melhor.
Tomo um banho e me jogo na cama mas quando estou quase pegando no sono, meu celular toca.

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