Cinco

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     Família. Ah, família.

Espero que você entenda o tom do meu descontentamento, ou melhor, eu espero que ninguém entenda o quão medíocre esse conjunto de pessoas que te conhece a vida inteira pode ser. Em termos de parentesco com maior afinidade, tenho, em primeiro lugar e mais importante, meu avô, depois a família de Maya.

Em resumo, posso dizer que sou abençoada por tê-los na minha vida, na mesma proporção em que pago as parcelas caríssimas desse privilégio todos os dias.

Sempre haverá um atrito antigo entre mim e meu tio sobre as escolhas que faço para minha vida, mas, por conta do meu avô, frequentemente relevamos essas questões. Porém, as coisas tendem a ficar estranhas quando vovô não está presente para interceder.

Eu vivo para ter esses momentos com titio.

Sentiu o sarcasmo?

Sério, é como perder uns sete anos de vida, ou pelo menos querer perder todos que ainda me restam.

- Seu avô, quem fez o almoço? - Meu tio perguntou, puxando assunto após o vizinho bater em nosso portão para discutir algo que provavelmente levaria horas, considerando que meu avô adorava conversar.

Após o humilhante acidente, eu poderia muito bem voltar ao trabalho normalmente, pois minha função não exigia muito esforço físico. No entanto, um dos meus direitos trabalhistas me permitia ficar afastada devido ao acidente ocorrido durante a jornada de trabalho. E considerando que eu estava fora da minha zona de trabalho por um pedido do meu supervisor, André, ele poderia até mesmo enfrentar um processo por desvio de função e ser demitido por justa causa. Então, fizemos um acordo: ele me liberava das minhas funções por quatro dias, até segunda-feira, quando eu teria que retomar tudo.

No final, foi até bom passar essa semana em casa, adiantando as coisas da faculdade e fazendo companhia ao meu avô.

- Foi. - Respondi.

Meu tio estava insinuando que eu poderia ter ajudado meu avô, na verdade, que eu poderia ter feito o almoço para ele. Sim, eu poderia ter feito, mas esse é o tipo de coisa que meu avô nunca me pediu. Minha convivência com o senhor José tinha alguns pontos claros para ambos, que, embora nunca mencionados, estavam sempre presentes.

Meu avô era idoso, então os serviços braçais eram sempre minhas responsabilidades, como lavar a casa todos os sábados ou recolher todas as roupas sujas ou limpas quando estavam no varal. As compras fazíamos juntos, pois eu tinha habilitação e ele o carro. Eu era responsável por levá-lo sempre que podia ao médico, à igreja, à farmácia ou a qualquer lugar que ele pedisse. Eu cuidava da manutenção e limpeza do seu Del Rey azul.

A verdade é que meu avô nunca me cobrou nada disso; eu fazia por carinho e consideração, por ele já estar velho também.

O que meu tio pretendia era colocar a ideia de invalidez em meu avô para me fazer sentir culpada, mas o repertório era tão antigo que já não me incomodava mais.

- Como está a fábrica? - Mudei de assunto e ele suspirou com a escolha.

- Estava contando para seu avô, parece que vão contratar novos operadores. Não conhece ninguém que precise de emprego? - Nesse ponto, meu tio era um bom homem. Onde ele podia, tentava ajudar os outros e muitas vezes se ferrava por causa de seu bom coração, uma característica que meu avô também carregava. Neguei com a cabeça. - Tentei arrumar uma vaga para um amigo da Maya, mas esses jovens não querem mais saber de trabalhar. - Concordei em silêncio.

Olhei para a porta por onde meu avô havia saído e não retornado. Era possível ouvir vozes no quintal. Suspirei, pois teria que lidar com meu tio por mais algum tempo.

Ele e meu pai eram irmãos, mas eram completamente diferentes. Meu pai era o caçula, mas coincidentemente, eu e Maya fomos concebidas na mesma época, com meses de diferença. Atualmente, eu não tinha contato com meu pai; ele trabalhava em rotas interurbanas. Quando chegava a um destino, era enviado para outro completamente diferente e viajava por toda a América Latina, transportando petróleo.

Era só isso que sabia. A última vez que o vi foi quando meu avô passou de uma gripe para pneumonia e teve que ser internado. Eu tinha dez anos e fiquei sozinha durante uma semana. Minha tia trazia a comida e me ajudava com algumas coisas. Meu primo tinha nascido com bronquite severa, então minha tia evitava contato comigo para não passar nenhum vírus ao filho. No final, as coisas deram certo, mas me lembro das noites serem silenciosas e escuras.

***

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Corações em Conflito: Romance CristãoOnde histórias criam vida. Descubra agora