Quatro

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     Acredito que viver seja um risco. E isso, infelizmente e felizmente, implica passar por alegrias, tristezas e constrangimentos... estes últimos são os piores.

Eu realmente tinha sido atropelada por um veículo em ré, que não deveria ter atingido nem a velocidade de 5 km/h. Não saberia dizer qual dos detalhes era mais constrangedor. Após alguns segundos assimilando a situação, minhas mãos começaram a queimar pelo asfalto quente, então me levantei imediatamente do chão com as palmas raladas, após gritar para que o atropelamento vergonhoso não fosse concluído.

Por sorte, dona Vânia presenciou o ocorrido e também gritou de dentro do restaurante para que o motorista idiota parasse antes de passar por cima de mim. Talvez ele me fizesse um favor. Ser totalmente atropelada seria menos vergonhoso do que cair de cara no asfalto. A cena era completamente ridícula, mas quando me recompus o suficiente para me sentar no meio-fio, xinguei o motorista.

- Seu imbecil, use os olhos do rosto para ver o retrovisor, não os da bunda. - Dona Vânia veio até mim trazendo um copo de água. Todos dentro do restaurante encaravam a calçada, graças ao grito salvador de Vânia, que chamou a atenção não só do motorista.

- Ainda bem que ele parou. Achei que teria que começar a ensaiar como chorar com classe. - Comentou baixo, quando o dono da Saveiro branca saiu do veículo. Era um homem um pouco mais velho, que trajava terno e aparentava ser afortunado. Infelizmente, era bonito demais para se enquadrar no perfil de criminoso que se vê em programas de TV, como meu possível assassino.

- Se ele me atropelasse, eu seria capaz de agradecer. - Comentou também a recepcionista casada dos Correios ao admirá-lo. Ela, ao notar o alvoroço, veio até mim sem que eu percebesse. Revirei os olhos. Minhas juntas estavam doendo, por serem as principais a amortecer o impacto no chão. Joelhos e mãos estavam ralados superficialmente, mas a dor da humilhação era insuportável. Eu sentia muita raiva.

- Você está bem? - Questionou, agachando-se na minha frente e analisando minhas mãos. - Parece que foram apenas machucados superficiais. - Ignorou as ofensas que eu tinha dirigido a ele um pouco antes. - Sente dor em mais algum lugar?

- É a primeira vez que vejo um médico que faz questão de escolher seus pacientes. Você não olha o retrovisor? - Disse na defensiva, sentindo minha raiva diminuir à medida que ele analisava meus ferimentos sem se importar com minha indignação. Parecia racional.

- Me perdoe, não foi intencional. - Dessa vez, ele foi mais rude, demonstrando impaciência. - Entre no meu carro, vou te levar ao hospital. Talvez o impacto tenha sido também na cabeça. - Arregalei os olhos. Ele acabava de insinuar que eu tinha algum transtorno.

- Entrar no seu carro para quê? Se parado você dirige assim, em movimento você termina de nos matar. - Se bem que, na atual situação, isso seria um favor. Dona Vânia e Lara me ajudaram a me levantar do chão. Meus joelhos arderam com o movimento. Olhei para baixo e vi pequenas manchas de sangue na perna direita. Não era nada grave, mas isso ia me incomodar por umas duas semanas até cicatrizar por completo.

- Você que entrou inesperadamente na traseira do meu carro. - Se defendeu. - Se queria atravessar, deveria ter ficado no espaço entre os dois carros, não atrás de um.

- Isso não justifica nada. Eu estava atrás do seu carro há pelo menos uns sete segundos. Dava para ter me notado. - O homem coçou a nuca, analisando minha perna, parecendo contrariado e bastante nervoso. Foi então que percebi melhor a situação. Eu tinha coisas mais importantes para administrar minha irritação até o final do dia, e ele parecia ter a mesma opinião indiretamente. Eu ainda estava com raiva por ter me atropelado como uma tola, mas até isso estava me gerando fadiga. - Quer saber, dane-se. Isso aqui não vai dar em nada. - Comentei sobre meus ferimentos e nossa situação. - Me dê seu número. - Peguei o celular que estava no meu bolso para adicionar seu contato. Essa foi a primeira vez que ele pareceu disposto a chegarmos a um acordo. - Vou a uma farmácia e você pagará pela medicação. Acho que não passa de cinquenta reais.

- Concordo, assim resolvemos isso por aqui. - Resmungou, pegando o aparelho da minha mão e enviando algo por WhatsApp.

- Sim. Que bom que concordamos que é melhor resolvermos juntos a situação do que você sozinho tentando me atropelar com seu carro. - Ele revirou os olhos. - Essa também é a chave do meu PIX.

- Já disse que não foi intencional. - Tentou se justificar. - Qual é o seu nome? - Perguntou, agendando meu número no seu aparelho e devolvendo o meu. - Caso precise de mais alguma coisa, não hesite em me ligar. Por favor, irei orar para que você fique bem.

Eu sempre, sempre fui alguém bem provocativa. Talvez a falta de atenção durante a infância tenha servido de incentivo para agir de forma rebelde e chamar a atenção. Psicologicamente, esse poderia ser o meu diagnóstico.

Mas mencionar o mundo religioso me fazia agir de forma mais madura. Talvez, receosa seja a palavra.

Pois já não se tratava de implicar para chamar atenção; era um assunto inalcançável para minha ignorância. E, mesmo implicando com o Criador às vezes, eu nunca tive a audácia de questionar Seu alcance sobre todas as coisas. Respeito e temor pelas coisas celestiais, ao contrário da atenção na minha infância, jamais me fizeram falta durante a vida. Um quase atropelamento estava totalmente alheio a tudo que eu podia pensar agora, mas não estava fora das coisas que Deus permitiu que acontecessem. Por esse motivo, eu sentia empatia pelo homem. Se ele iria tirar um tempo para orar pela minha vida, acho que realmente não deveria ser alguém maldoso.

Demorei alguns segundos para responder, refletindo sobre a forma exagerada como eu havia agido. Enquanto eu focava apenas na minha raiva, em nenhum momento pensei em Deus. E se não fossem apenas joelhos ralados, qual seria minha preocupação? Eu não devia nenhuma gratidão ao homem por não ter me matado. Mas agora eu sentia que devia, por me fazer lembrar de algo que há tempos eu não lembrava: a graça.

Um favor imerecido. Eu estava bem, afinal.

- Roberta. O meu nome é Roberta Leal.

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Corações em Conflito: Romance CristãoOnde histórias criam vida. Descubra agora