Dez

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     Era domingo e minha cabeça latejava. Meu mau humor era perceptível. Passei a madrugada de sábado tentando começar meu TCC, mas uma tela ligada e uma mente sem foco e entediada não trouxeram muitos resultados. Perambulei pela internet até encontrar um filme legal, mas a partir daí, foi só ladeira abaixo. Acordei cedo para comprar os pãezinhos para o senhor José e depois voltei a dormir, pulando o almoço e acordando bem na hora de começar o culto.

A porta do quarto estava fechada, então meu avô presumiu que eu já estivesse me arrumando ou, pelo menos, pronta pelo horário. Quando ele entrou no cômodo, foi um caos, pois eu ainda precisava tomar banho e me vestir. Fiz tudo isso ao som das reclamações de José e com uma dor de cabeça persistente.

Ao chegar ao culto, nos sentamos nos últimos bancos, sendo alvo de vários olhares. Eu me sentia bem constrangida e ignorei a maioria deles, exceto o do meu tio, que estava sentado ao lado do pastor e também nos observava. Apostava meu salário que ele perguntaria o motivo do atraso, e a razão era bastante óbvia: minha blusa estava um pouco amarrotada e meu cabelo ainda estava molhado. Minha prima terminava um louvor e estava muito linda naquela noite; ela sempre estava, mas hoje Maya parecia ter caprichado mais nos detalhes, talvez para impressionar o mais novo membro da igreja.

Suspirei, fechando os olhos para esfregar minha testa.

Como doía.

A voz de Maya era magnífica, especialmente em uma música como aquela. "Pai, Eu Quero Te Louvar", da Kezia Aguiar, era um solo poderoso, e quando ela terminou o hino, a igreja bateu palmas.

- Está doendo? - Meu avô perguntou, solidário, enquanto observava meus gestos para aliviar a dor de cabeça com carinho. Concordei com a cabeça. - Que bom. - Revirei os olhos e ele sorriu. - Mas se começar a ficar insuportável, me avise, que eu te dou o dinheiro da oferta para comprar um remédinho. - Sorri em resposta para meu avô e desci um pouco no banco para ficar mais baixa e poder apoiar a cabeça em seu ombro.

Dando continuidade ao culto, o pastor começou a reflexão sobre o ato da Santa Ceia. Não preciso dizer que, nesse momento, minha atenção era desviada a cada segundo, seja por algum evento ao meu redor ou pela dor de cabeça. Sinto informar que, quando começou a prática de distribuir o suco e o pão, minutos depois, eu já estava cochilando no banco. Me senti aliviada por meu tio não ter percebido. Depois, um outro hino da harpa foi entoado pelo conjunto de louvor, e isso sim prendeu minha atenção, pois o cântico era sempre lindo.

Era uma falta de respeito dormir na igreja, mas juro que não foi intencional.

Felizmente, minha cabeça já não doía tanto. Meu avô pegou sua ceia e se ajoelhou.

Continuei sentada, cantando baixo a bela melodia. Direcionei meus olhos para frente, onde as pessoas no palco cantavam, mas o primeiro banco estava bloqueado por um homem que acabava de pegar seu pão para se ajoelhar e participar do ato da ceia, o que atrapalhava meu campo de visão. Como estávamos de frente um para o outro, era inevitável que seus olhos também fossem até mim no último banco.

Sua expressão não era de choque como a minha. Acho que ele já havia me descoberto, dormindo no banco e chegando atrasada de forma tão discreta. Então ele sorriu e fechou os olhos para orar, e eu fiquei sem reação. De todos os lugares, como ele apareceu justo ali? Sem saber para onde olhar, desviei minha atenção para o conjunto onde Maya estava, mas ela também observava o visitante, com a mesma atenção que eu tinha demonstrado antes, cheia de choque.

Maya estava linda. Ela tinha se arrumado para alguém.

Ela tinha se arrumado para ele.

Pela forma como o observava, não havia como não perceber. Só ele tinha um rosto novo ali.

Aquilo parecia uma coincidência cruel, algo que até o rei Herodes acharia maquiavélico. Levantei-me cuidadosamente e me dirigi ao estacionamento, onde encontrei um dos homens casados que serviam como auxiliares da igreja, fazendo a segurança dos carros. Eu precisava de um ar, e ele precisava de companhia para não adormecer na sua missão de vigiar os veículos. Conversamos sobre qualquer coisa de forma modesta, e Pedro foi um dos primeiros assuntos que tocou. A mudança de liderança na mocidade movimentou muito dentro da igreja, mesmo que não parecesse ter mudado nada.

Havia pessoas insatisfeitas, pelo que entendi.

O fato é que a posse de Pedro como líder incomodou alguns. Eu acredito que as ondas mais fortes acontecem no lugar de onde não podemos ver. Estando em terra, como poderia enxergar a dimensão do que uma tempestade faz dentro do oceano, com ondas que podem chegar a vários metros de altura?

Até então, eu não havia escutado nem visto nada sobre isso, mas sabendo como as igrejas grandes funcionam, eu não precisava de provas.

Jesus estaria orgulhoso de mim agora por exercitar a fé.

Acreditar naquilo que não posso ver.

E eu acredito que as pessoas são más.

Decidi voltar ao meu assento na igreja para não contribuir para que aquele tipo de assunto se desenvolvesse.

Pedro chegou àquela posição por privilégio de ser sobrinho do pastor, isso era inegável. No entanto, eu acredito que pode até ser escolha do homem plantar, mas é decisão de Deus que a semente germine em terra.

Sobrinho do pastor ou não, se ele estiver no cargo por uma decisão que vai além das escolhas de seu tio, tenho certeza de que, em breve, Pedro terá seus frutos, e nenhuma onda poderá alcançar solo fértil.

Corações em Conflito: Romance CristãoOnde histórias criam vida. Descubra agora