Vinte Um

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     Como alguém que cresceu na igreja, eu preciso admitir que a presença de Deus pode se manifestar em qualquer lugar. É verdade que, onde estiverem dois ou três reunidos em Seu nome, ali Ele estará. Mas estar reunido com pelo menos quatrocentas pessoas em Seu nome é algo extraordinário.

Que atmosfera surreal. Que sensação maravilhosa de bem-estar. Muito além disso, a certeza de ter sido criado para adorá-Lo e poder fazê-lo. Que honra e alegria indescritíveis.

"Além do Rio Azul" é uma música que nos lembra que, para onde vamos, não haverá dor nem ranger de dentes. Dentro da casa do Senhor, podemos sentir um pequeno vislumbre disso. Penso em como será no além, depois de cumprir meu propósito aqui.

Abro os olhos e observo os amigos que me acompanham, as pessoas que Cristo me confiou para liderar. Penso no Pedro de antigamente e em como Deus tem sido bondoso comigo. Aquele "eu" antigo jamais viveria isso, mas Deus entrou para vencer e me tirou da completa escuridão.

Então noto Roberta.

Eu conheço esse olhar.

Em um mar revolto, as ondas chicoteiam um pequeno farol. Ele está estagnado, imóvel e firme, como se nenhuma onda pudesse movê-lo, nem que fosse um centímetro. Completamente sólido e indiferente à tempestade.

Isso por fora, claro.

Quem está dentro do farol não tem tanta firmeza assim.

Roberta parece alheia, mas também está reflexiva. A vida do cristão é exatamente isso: uma constante discussão sobre as coisas que são mínimas para Deus. Sempre em questionamento sobre o que cabe ou não em nosso propósito, sobre o que é da nossa vontade ou da Dele.

Talles Roberto não errou ao dizer: "É fácil demais viver em paz; a gente é que complica tudo."

Por um minuto, a vejo fechar os olhos. Agora não parece um farol indiferente no mar. Roberta parece uma maré calma. Sinto um lampejo de satisfação ao perceber que trazê-la até aqui certamente fazia parte do meu propósito. Eu sinceramente desejo que Roberta se liberte daquilo que não revela e aceite ser um instrumento.

Porque um escolhido não tem escolha. E minha amiga ainda será usada.

Quando percebo, finalizo a oração que se formou naturalmente em minha mente enquanto eu estava apenas divagando.

Volto a direcionar meus olhos ao altar. Pelo canto do olho, percebo que, do lado oposto de Roberta, Camilla me observa em silêncio. Inicialmente, não entendo, pensando que talvez ela queira me dizer algo, mas depois tenho outra concepção.

Talvez ela tenha me visto olhar para Roberta e tenha interpretado errado enquanto eu orava pela minha amiga. Preciso refletir sobre isso, pois além de Camilla, meus tios também têm essa opinião. A prima de Roberta, acho que se chama Maya, tem sido bastante cordial comigo. Entendo seu tipo de interesse e não a destratei em nenhum momento, o que pode ter levado a confundir minha boa educação com outra coisa. Se eu realmente tivesse algum interesse em alguém, ela com certeza saberia.

Tento analisar o ambiente novamente após o louvor terminar. Me surpreendo ao ver Isaac se aproximando de nós.

Quem o convidou?

Nos acomodamos na poltrona e Roberta parece ter seguido meu olhar, pois logo questiona:

— Quem convidou ele?

Isaac é bastante comunicativo e gosta de cumprimentar todos. Claro, ele vem nos saudando com um aperto de mão forte. À medida que se aproxima, desgosto um pouco, porque seu plano é se sentar ao lado de Roberta. Quando ele finalmente o faz, começa a puxar assunto sobre como a igreja está cheia. O tópico não me interessa muito, já que ele conversa apenas com Roberta. Tento ser indiferente, mas sinceramente, não consigo prestar atenção na mensagem, enquanto ele fala sobre sua aula de bateria. Roberta mal o responde e aproveita o momento da oração para anunciar que vai ao banheiro.

Após a prece pelas ofertas, faço questão de me sentar no lugar de Roberta, deixando o meu lugar vago. Estamos em uma fileira, e Isaac, ocupando o último lugar, não tem chance de se sentar ao lado dela novamente. Dentro de mim, sorrio vitorioso pela façanha. Observo o ambiente e novamente vejo Camilla me analisando. Meu sorriso interno se desfaz. É como se, criasse naturalmente mais provas contra mim mesmo, mas insiste em negar aquilo.

— Então... — Puxo assunto com Isaac para, pelo menos, fingir que troquei de lugar para poder conversar com ele. — Tem muita gente, né? - Ele me olha surpreso, não o conheço suficiente, mas tenho certeza de identificar uma frustração, disfarçada de um sorriso educado.

— Realmente, estava até comentando isso com a Roby.- A forma como ele a chama me incomoda, principalmente porque soa como uma falsa intimidade. Sei que não existe. A reação dela ao ver o Isaac me contou exatamente isso. Apesar da clara falta de interesse dela por ele, isso não era recíproco.

Vejo pelo canto do olhar que a "Roby" voltou. Mas continuo com o olhar fixo no Isaac, pois a visível indiferença no olhar dele não terá efeito no lugar que escolheu ficar. Roberta passa por nós dois e se senta no meu lugar de forma silenciosa.

— Perdi alguma coisa? — pergunta em voz alta, para ninguém em especial.

— Não, você chegou na hora certa.

Camilla responde de forma amigável, mas, ao encará-la, percebo que seus olhos estão grudados em mim. Ela tem um sorriso sutil no rosto e eu odeio isso. Como se dissesse: “eu sei exatamente o que está acontecendo aqui”. Reviro os olhos, achando que talvez estivesse enganada, mas começo a refletir melhor sobre meus sentimentos.

Ciúmes, seria isso que Camilla achava? Enruguei a testa com o pensamento. Eu já tinha sentido ciúmes antes, aquele sentimento inseguro que apodera a razão e nos faz agir de forma inconsequente. Mas agi de forma racional com Roberta. Não poderia confundir cuidado com paixão, pois eram sentimentos paralelos.

Mas então, por que meu coração acelera quando Roberta deixa uma risada gostosa no ar, após o pregador da noite fazer um trocadilho?

Pregador esse, do qual eu não fazia ideia do que estava falando minutos atrás, pois estava concentrado demais analisando seu sorriso lindo e seus olhos, que pareciam menores quando ela riu, os cachos se movimentando com a vibração do riso. Então ela levantou os olhos para me encarar. E meu coração, que antes batia fortemente, parecia ter petrificado. Completamente hipnotizado pelos olhos mais lindos que já vi na vida.

— Pedro.

— Hrum. — Murmurei em resposta, ainda sem conseguir formular algo. Eu era totalmente contra as distrações dentro da igreja, mas Roberta fazia isso comigo agora. O pior é que nem se esforçava ou tinha essa intenção. Bastava me encarar daquela forma, e tudo ao redor se tornava irrelevante.

- Já ouviu a expressão "de parar o trânsito"? - Concordei. - Eu sou de parar o trânsito, mas parar o culto é a primeira vez. - Sorri achando graça. Ela tinha percebido meu olhar, mas não disfarcei, pois não conseguiria nem se tentasse.

Suspirei, achando tudo aquilo inédito.

Estou apaixonado por Roberta. E todo mundo parecia saber, menos eu.

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Camilla internamente, vendo Pedro com ciúmes da Roberta:

Camilla internamente, vendo Pedro com ciúmes da Roberta:

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Corações em Conflito: Romance CristãoOnde histórias criam vida. Descubra agora