Capítulo XV

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No trabalho eu só pensava no Michael, na proposta que ele havia me feito, era uma proposta maluca e ao mesmo tempo irrecusável, desde que cheguei nos Estados Unidos eu precisava economizar bastante, pois eu ainda possuía dívidas com os coiotes. E ter dívida com esse tipo de gente era muito perigoso, sem falar que eu ainda era um imigrante ilegal e precisava regularizar a minha situação o quanto antes se não quisesse ser deportado. Acho que ao analisar a situação ficava bem claro que essa proposta do Michael de eu morar com ele seria o melhor para ambas as partes.

Não existia nada pior do que a vida adulta, era tão complicado lidar com meus próprios problemas, muitas vezes acordava tão cansado com vontade de desistir de tudo e apenas ficar na cama o dia todo até que tudo acabasse. Era um peso muito além das minhas forças, eu não era uma pessoa muito forte psicologicamente falando. Tudo o que eu tinha era alguns sonhos, alguns desejos, não eram nada muito complicados, mas para um garoto que veio de baixo o céu é totalmente impossível. O meu mundo que eu tentava colorir era um mundo de poucas coisas. A cor predominante era o vermelho, o vermelho do sangue da violência, consequência do sofrimento no qual estou vivendo constantemente, em constante hemorragia interna e externa.

Uma mente cheia de planos e bolsos vazios, não poderia ser pior. Era como desejar voar sem asas possuir. Se eu tivesse as condições de viver minha vida da maneira que eu queria, não estaria perdendo o meu tempo tentando a todo custo cecear a vida dos outros, como aqueles que possuem o poder fazem. Eu estaria cantando, dançando, beijando, amando. A verdade é que muitos lutam contra poucos, e esses poucos apenas lutam para sobreviver.

Quando era tarde da noite, eu já estava terminando o meu turno, quando Michael entrou no meu supermercado, e ficou parado ali perto da saída, caminhei até ele que estava tão bem-vestido, com os cabelos penteados, com uma roupa bem bonita e diferente daquelas tão militarizadas que ele usava cotidianamente. Dispunha também de um semblante de alegria em sua face, um brilho suave nos olhos.

— Oi — Disse-me quando eu estávamos frente a frente.

— Que foi? Aconteceu alguma coisa? —

— Nada, só vim aguardar para te levar para casa —

— Não precisava, tem uma parada de ônibus perto daqui —

— Precisa sim, não quero nem sonhar com você andando por essas ruas sozinho a noite. O que não falta por aí é maluco — Olhei para o dono do local, ele apontou para o seu relógio, avisando que ele já iria fechar, então eu já poderia ir para casa.

— Bem, já que está aqui podemos ir a minha casa, buscar algumas coisas —

— Claro — No carro, fiquei tão feliz por sua atenção, eu não tinha uma pessoa que se preocupava com minha segurança, mas agora eu dispunha de uma pessoa assim, uma pessoa que se preocupava com o meu bem-estar, com minha integridade e acima de tudo da felicidade.

Meu apartamento era bem longe, na periferia da cidade, não a periferia rica, com casas enormes e bairros planejados e arborizados, a periferia com criminalidade, assassinato e pobreza. Quando chegamos em frente ao meu prédio, descemos do carro, e depois adentramos, um lance de escadas e depois e estávamos em frente a minha porta. Ao entrarmos, ele percebe que o lugar era extremamente simples, com apenas um cômodo e um banheiro era o que eu podia pagar por enquanto.

— Vou buscar umas roupas, sente-se —

— Esse é você? — Perguntou ao apontar para uma foto de quando eu era menor, com o cabelo tão baixo que era quase uma outra pessoa.

— Sim, sou eu —

— Você era uma gracinha —

— Acredite essa aqui é a minha versão —

— Pensou no que eu te disse? —

— Pensei, é um pouco complicado decidir, é que tenho algumas ressalvas —.

— Quais ressalvas? —

— Ah, é que você tem a sua vida, sua casa, seus hábitos, o seu próprio tempo, assim como eu tenho a isso tudo também, não quero entrar de paraquedas na sua vida, não quero bagunçar a isso tudo —

— Mas eu quero que faça parte disso tudo. Na verdade, você já faz parte, só não quero que deixe de fazer, está me entendendo? —

— Acho que sim, mas eu tenho medo sabe, de um dia você não me querer mais perto de você, de que um dia você não me queira mais em sua vida, pensando nessa possibilidade é um pouco difícil aceitar a proposta. Sem falar que nos conhecemos a poucos dias, ainda estou te conhecendo, estou amando te conhecer de verdade. Em nenhum momento me senti arrependido, entretanto isso não significa que eu não possa me arrepender. Não é nada contra você, você é incrível, é maravilhoso. Eu já fui tão maltratado nessa vida que é difícil acreditar que estou tendo uma chance dessas, e que isso tudo é mesmo real, e não coisa da minha cabeça —

— Miguel, eu não sou como as outras pessoas, eu não faço propostas para depois voltar atrás, não conheço os outros homens que te machucaram, mas eu cumpro com que eu falo. E eu te prometo que não vou te machucar, eu posso machucar os outros por você, posso me machucar por você, mas jamais vou te machucar —.

— Eu sei que não é igual a todo mundo, percebi isso no dia que acordei em sua casa —

— Às vezes nem acredito nas circunstâncias que nos fizeram cruzar os caminhos um do outro. Sabe o que eu ia fazer naquela noite em que te encontrei? Ia comprar meu remédio para dormir, eu não havia dormido na noite anterior. Aí ouvi o barulho vindo daquele beco sujo. Acho que isso não foi apenas coincidência, já era para ser, e quero que seja — Caminhei até onde ele estava sentado, e sento me sob suas pernas, ele me envolve em seus braços e acaricia a minha pele.

— A coisa que eu mais desejo hoje é que isso tudo aconteça — Lhe beijo.

Amor além das fronteirasOnde histórias criam vida. Descubra agora