Capítulo XXX

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A dor incessante, as lágrimas infindas continuaram por longos dias e tal qual como eu, os céus choraram, em pranto, no dia em que ocorreu o enterro do Michael, assim como dos outros soldados, tudo simbólico, já que não sobrou muita coisa.

Fiquei por horas naquele cemitério, olhei o túmulo de seus parentes, estavam tão sujos, com folhas sob as lápides, se Michael estivesse ali não permitiria aquilo, então me prontifiquei a limpar.

Depois fiquei olhando sua lápide, tão nova, com seu nome escrito em relevo. Minha mão tateava no bolso seu cordão. A única coisa que sobrou dele, e que me foi devolvido.

— Eu nunca vou te esquecer, não se preocupa, você não soube que teria um filho, mas meu filho saberá quem foi seu pai. Nosso filho — Lágrimas caíam, depois de tantos dias, como uma hemorragia sem controle — Acho que já sei o nome dele, Anthony. Não sei se você gostaria desse nome, mas é tão lindo. Fico imaginando com quem ele vai parecer, fico dividido, imaginando um menininho igual a mim ou igual a você, não sei. Me assusta estar sozinho, me assustar não ter você mais aqui comigo. Eu estou com medo Michael, estou com medo meu amor. — Depois de dizer essas palavras frias e tristes deixou flores sobre a grama e vou embora. Eu não podia fixar muito tempo na chuva.

Pensei que ao passar do tempo a tristeza daria lugar a aceitação, como ocorre em processos de luto. Mas isso não aconteceu. Com cinco meses de gravidez minha barriga estava enorme, o bebê inquieto. Dizem que eles conseguem ouvir, então de vez em quando eu colocava áudios do Mike, áudios dele falando coisas aleatórias e nada especiais. No fundo isso era para mim mesmo, para sentir que ele estava perto.
Mas o Anthony gostou da voz do pai, ele ficava todo agitado quando ouvia.

Quanto a questão da imigração, finalmente consegui regularizar minha situação e ganhei visto definitivo. Mas isso não significava mais nada para mim. Talvez eu estivesse naquele país apenas pelo meu filho, pois queria que ele tivesse a melhor infância possível.

Certo dia achei um álbum velho, no fundo de uma estante, na capa artesanal havia escrito. "1 aninho do Mike" instaneamente ri com aquilo. Abri e vi fotos do meu amor. Vi fotos do dia em que ele nasceu, sua mãe o segurando no braço. Ela estava sorrindo.

Tinha uma foto fofinha em que ele segurava o dedo do seu irmão mais velho, que na época era criança. "Conhecendo o irmão mais velho". O irmão do Mike, Joseph, era bem diferente dele, seu cabelo era castanho, seus olhos castanhos. Foi então que percebi que ele puxou mais ao pai, enquanto o Mike a mãe.

Em outra foto mostrava Michael um pouco maior, nela ele estava apoiado no chão sorrindo todo fofo. Com os cabelinhos dourados e olhos brilhantes.
"Brincando com a mamãe".

A última foto desse álbum era da festinha de aniversário dele, era uma foto da família, Mike estava com a mão no bolo. "Mike sempre apressado e guloso". Olhando aquelas fotografias não pude fazer outra coisa senão chorar. Fiquei bastante emocionado ao ver meu amor em vários momentos de sua vida. Momentos esses que eu nunca havia visto.

Amei como sua mãe era extremamente detalhista e gostava de registrar momentos preciosos como esses. Coloquei a mão na minha barriga. Decidi me inspirar nela e fazer um igual para o meu bebê, começando pelos ultrassonografias.

Havia outros álbuns, uns com o nome de seu irmão e outros com o seu nome. Ao olhar cada um deles percebi porque Michael era uma pessoa totalmente quebrada, sua família era maravilhosa com ele. Todos o amavam. Ele era o caçula e todos assim o tratavam. Sua mãe o amava imensamente, em um amor que conseguia transparecer e transcender morar fotografias e as distâncias do tempo.

Ela era uma linda mulher, que teve uma morte muito triste, morreu de tristeza pela morte de seu filho mais velho, embora outros prefiram dizer que morreu do coração. Mas o coração para de bater também quando o coração das pessoas que amamos para de bater. Como se todos estivéssemos unidos peito a peito.

Aos sete meses comecei a me sentir um pouco mal de saúde, com dores e inchaços frequentes. Mas nada que fosse muito grave. Eu costumava cantar para o meu bebê antes de dormir. Cantava músicas alegres e músicas tristes. Gostava também de conversar com ele. Contar sobre coisas que eu fazia quando era criança.

Todo dia eu levava o porta-retrato com a foto do meu amor, junto de seu cordão para a varanda, ficava olhando a lua em silêncio olhando sua foto. A saudade me consumia todo dia, uma saudade incurável, uma saudade dolorosa. Queria apenas acordar e descobri que tudo isso foi um sonho. Menos a parte que estou esperando um filho seu.

Certa noite eu dobrava as roupinhas do meu bebê, seu quartinho já estava arrumado, achei o berço do Michael e do Joseph no porão, acho que esse berço também serviu para o sobrinho do Michael, e agora serviria para o meu novo amor.

Era tão estranho amar alguém sem nem conhecer ainda, era o amor pelo meu neném. A sensação de ter um bebê dentro de mim era maravilhosa, um bebê do amor da minha vida. Meus dois amores. Meu amor eterno Michael e meu amor incondicional Anthony.

Quando fui abrir uma gaveta mais próxima ao chão sentir uma dor em meu abdômen, uma dor insuportável. Ela durou alguns instantes e depois parou, me olhei no espelho fiquei com medo. Quando a dor voltou minutos depois entendi o que se tratava o bebê estava nascendo.

Liguei imediatamente para a ambulância. Tentei manter a calma, era o oitavo mês de gestação não era para ele nascer naquele momento. Faltava algumas semanas.

— Calma filho, vamos para o hospital. Papai está aqui com você, sempre vou estar aqui. — Falei sentado ao chão, tentando suportar a dor.

CONTINUA NO PRÓXIMO CAPÍTULO

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