provador

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Troco o peso de um pé para o outro enquanto olho um pouco desnorteado o lugar ao meu redor, uma ampla loja repleta de manequins e vestidos, ternos, e smokings dentro de plásticos cuidadosamente pendurados em cabides. A mulher que nos atendeu, baixa e gordinha com uma expressão crítica, vem em minha direção com algo nas mãos.
- Não foi tão fácil encontrar um terno branco, mas aqui está. (Ela diz suspirando e me entregando a roupa)
Sou gentilmente arrastado até um provador pela senhora, encosto a porta e começo a saga de me vestir em um espaço muito pequeno, quando tiver a oportunidade vou perguntar para a Lou como achou essa loja, não era o que eu esperava e com certeza não achei que teria que escolher minha roupa hoje. Estou ajeitando o blazer quando a porta é aberta, solto uma exclamação e olho surpreso a garota terminar de ocupar o pouco espaço que restava ao entrar no provador.
- O que está fazendo? Eu podia estar pelado (digo indignado)
- Mas não está( ela diz dando de ombros e me olha com atenção)
- Você está muito bonito, mas sua camisa social precisa ser preta.
- Vou pensar se acato a sua exigência (digo entredentes)
Estudo a garota à minha frente, seu cabelo está em um coque frouxo com mechas caindo em seu rosto, imagino que não foi tão fácil colocar o vestido, esse que é de um carmim liso de cetim, com decote coração que deixa os ombros a mostra e mangas que cobrem seus braços até os punhos, ela percebe que estou lhe olhando e me encara de um jeito que não sei descrever, só sei dizer que sua escolha foi perfeita, o vermelho realça todas as suas melhores características, sua pele clara, cabelos escuros e olhos azuis escuros insondáveis.
- Não consegui me vestir sozinha, pode me ajudar?
Diz se virando de costas para que eu veja seu zíper fechado pela metade, o vestido é aberto atrás com um decote em v que começa um pouco acima da sua cintura, vejo as pintas nas suas costas e engulo em seco antes de terminar de fechar seu zíper tendo o cuidado de não tocar a curva acima da sua bunda. Ela se vira para mim e se aproxima ainda mais, estamos tão próximos que sua respiração se mistura com a minha, então ela acaba com a quase inexistente distância e me beija. Apesar de sentir o que viria, fico surpreso, fecho os olhos lentamente e seguro sua  cintura, seus lábios são macios, me sinto quente em lugares estranhos e subo minha mão pelas suas costas até entrelaçar meus dedos em seu cabelo o soltando inconscientemente e sentindo sua maciez, ela continua segurando meu rosto porém sua mão direita desce e para no meu peito, quando ela morde meu lábio a puxo pela cintura de modo a colar nossos corpos, beijo seu pescoço e quando volto a beijar sua boca percebo hesitação em me corresponder, então me torno consciente do que estamos fazendo e a afasto gentilmente.
- Lou, eu... (Digo respirando fundo para me recompor) desculpa. Eu não posso me envolver assim, em breve terei que ir embora e não quero que a gente se magoe. Não deveríamos nem ser amigos, eu não deveria ter amigos, porque quando eu for embora, quando precisar deixar pessoas que gosto para trás, vai doer.
- É meio tarde para isso ( ela diz baixinho) Talvez você não tenha reparado mas tem amigos, que se importam muito com você, e eu... Achei que você soubesse que eu te entendo. Acha que não pensei a mesma coisa? Mas percebi que isso não é jeito de viver, não pode se isolar só para não sofrer, e talvez eu também precise ir embora, mas sabemos como é, e podemos manter contato,  nos encontrar, os outros, eles não entenderiam, não conseguiriam.
- Acredita mesmo nisso? E se eu estiver em uma ponta do país e você na outra? E se estivermos em países diferentes?
- E se isso não der certo? E se pararmos de nos falar? São muitos Ses, Nico. Seria triste te perder como amigo, como alguém de quem gosto, mas até o fim do ano a gente pode ter brigado e não se falar mais, e talvez isso até seja melhor.
- Seu otimismo é impressionante (digo sarcástico e olho confuso para ela tentando assimilar o que está acontecendo aqui)
- Se você fizer eu gostar de você e então ir embora, eu juro que vou te caçar (digo por fim)
- É uma ameaça ou uma promessa?
- Encare como achar melhor.

#3 semanas depois

Acordo no meio da noite com sede e caminho sonolento até a cozinha, quando estou voltando para o quarto escuto vozes baixas porém agitadas vindo do quarto dos meus pais, paro e me aproximo da porta para ouvir melhor.
-Não, já disse que não é preciso.
-Maria, vai ser melhor assim, eu consigo uma transferência para Miami em no máximo um mês.
- Se for necessário, a gente faz isso. Mas eu não vou me mudar de novo. Depois que perdemos nossa filha, o Nico ficou tão fechado e depressivo, ele fez amigos Hades, não vou fazer ele se mudar de novo.
- É exatamente por isso que devemos ir, depois de perder minha menininha...não vou ficar em paz até fazer tudo o que puder.
- Eu entendo amore mio, mas vamos esperar por respostas primeiro, não quero tomar uma decisão tão importante assim sem saber o que está acontecendo.
- Não adianta discutir com você.
- Não mesmo (escuto minha mãe falar de forma gentil e então as vozes cessam)
Passo o resto da noite com essa conversa se repetindo na minha cabeça, não acredito que já vou precisar me mudar, só fiquei aqui quatro meses, e no fim o que temo está acontecendo, vou ter que dizer adeus para pessoas que amo.
Acordo com batidas na porta, esfrego os olhos e me sento me sentindo exausto e dolorido, me arrasto para o banheiro e vejo meu reflexo depois de lavar o rosto, meus olhos estão vermelhos, me lembro de ter ficado com raiva ontem, de ter rolado na cama e chorado pela impotência, mas não me lembro de ter dormido.
Na mesa do café da manhã Hades está concentrado vendo algo no celular e minha mãe me encara preocupada. Dou um gole no café e tento comer a panqueca que cortei, mas simplesmente não consigo, então me levanto dizendo que vou esperar o Will na porta.
- Caro, está tudo bem? (Ela pergunta suavemente e eu assinto)
- Aposto que brigou com a namorada. Lou Ellen não é? Ela é muito bonita.
- Como você...(começo surpreso porém sou interrompido pela minha mãe)
- Não pode guardar segredos de nós, te conhecemos bem demais, e ajuda o fato de eu ter visto vocês se beijando.
- É, parece que só vocês sabem guardar segredos.
- Do que está falando?
- Por que se importam se eu estou namorando? Vou ter que dizer adeus para ela em o que? Menos de um mês não é pai?
- Você ouviu nossa conversa ( ele diz suspirando)
- Nico, você não entende, precisamos nos mudar (ele diz mas o interrompo)
- Assim como precisamos todas as outras vezes? Será que você sente prazer em ferrar a minha vida? Insistiu tanto para eu fazer amigos e agora quer que os deixe.
Abro a porta e faço menção de sair quando sinto alguém me segurar, me viro e vejo minha mãe com olhos marejados.
- Dessa vez é diferente (ela diz com olhos marejados)
- O que é diferente? Hades é um egoísta que só pensa em para onde deve ir para ser promovido, e você faz tudo o que ele quer.
- O único egoísta aqui é você! (Ele dispara e fica ao lado da minha mãe)
- Por que você insistiu que eu fosse para um colégio e fizesse amigos? Eu podia ter estudado em casa e me poupado de ter que dizer adeus para mais pessoas importantes para mim. Sem Bianca aqui eu vou sempre estar sozinho com vocês.
- Nico, eu sinto muito (ela diz e se afasta de mim como se a tivesse empurrado)
-Acha que é o único de luto aqui? Olha o que está fazendo com a sua mãe. Estou cansado de pisar em ovos com você, pare de achar que o mundo gira em torno do seu umbigo e faça o melhor pela família.
- E você faz o que é melhor para nós? Para a família? (Meu tom de voz tem um humor frio enquanto teimosamente sinto meus olhos lacrimejar) Como tem coragem de dizer que sou egoísta? Como tem coragem de falar de Bianca quando fez ela dizer adeus para tantas pessoas? Talvez você não queira que tenhamos ninguém para sempre estarmos presos a você.
Em um movimento rápido Hades me empurra contra a porta aberta e segura firme e dolorosamente meus braços.
- Com quem pensa que está falando seu moleque?
- Hades, solta ele, vamos entrar e conversar com calma.
- Pare de defender ele, Maria. É por isso que está agindo assim, ele foi protegido demais.
Olho surpreso para meu pai, sua expressão é uma mistura de tristeza e raiva, nunca o vi tão descontrolado assim.
- Acha que é o único a sofrer pela morte da sua irmã? Olhe para nós, estamos aguentando firme para que você possa melhorar, para que pudesse sair daquele quarto. Vamos embora porque é o melhor para nós, então nunca mais fale assim comigo.
Ainda vejo sua expressão ensandecida, e confesso que estou assustado, olho minha mãe e ela está tão assustada quanto eu, contra a minha vontade minha lágrimas contidas rolam e vejo a expressão do meu pai vacilar.
-Nico? (Escuto uma voz familiar me chamar)
Viro o rosto para a rua e vejo Will vindo em nossa direção, Jason está fora do carro nos olhando preocupado e Percy aperta o volante e vê a cena com a testa franzida. Hades me solta e se afasta lentamente.
- Está tudo bem? (Will pergunta ao chegar perto da entrada)
Assinto que sim, e caminho até o carro de cabeça baixa e em silêncio.
-Filho (escuto minha mãe chamar quando fecho a porta me sentando no banco traseiro)
Will entra e se senta ao meu lado, e Jason senta ao lado de Percy que me olha preocupado pelo espelho.
- Você está bem? (Ele pergunta baixinho)
-Sim (digo rouco e limpo as lágrimas agressivamente) só me tirem daqui.

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