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Choro de impotência, arrependimento e vergonha, levanto minha camisa e passo os dedos pelo hematoma amarelado na costela os afundando e aproveitando a dor. Se eles já tivessem sumido, eu não seria obrigado a fazer aquele exame, me sinto tão ridículo por ter me negado e hoje terem praticamente esfregado na minha cara que a escolha não é minha.
Ouço a porta ser aberta e me endireito secando rapidamente meu rosto. Observo a enfermeira colocar o almoço na minha frente e agradeço antes que ela saia. Encaro a comida e apesar de estar com fome nem a toco. "Ele me ama", lembro da conversa que tive com Apolo, eu acredito nisso, sei que é verdade, mas então qual é o motivo de suas palavras continuarem me assombrando?
" O álcool não muda a personalidade da pessoa, ela só faz o que já pensava em fazer"
Então ele é realmente daquele jeito? Ele nunca nos agrediu antes, porém me lembro de sua personalidade irritadiça, seus gritos e castigos sem sentido, uma vez ele bateu em Bianca...como eu não lembrava disso? Estou me sentindo enganado, como posso esquecer disso? Não! Não foi como as surras que ele me deu. Mas não se dá um tapa no rosto da filha.
Coloco a comida na mesa ao lado e me deito tentando parar as lágrimas. Será que ele sempre quis nos machucar? Eu não posso acreditar nisso, ele não era tão ruim quanto agora. Nós estávamos bem, não estávamos?
Uma enfermeira aparece anunciando que o horário de visitas vai começar, olho espantado para o relógio constatando que já são 15h. Vou ao banheiro e lavo o rosto na esperança inútil de disfarçar alguma coisa.
- Nico? ( Will me chama hesitante quando volto para o quarto)
- Você já está aqui (constato com certo alívio)
Ele se aproxima e me abraça apertado, meu corpo dolorido clama para ser solto, mas eu aguento e aproveito seu carinho.
- Me desculpa, Nico. Por que não me contou o que estava acontecendo?
- Eu não queria te preocupar (digo abafado)
- Nunca mais faça isso! Pode me preocupar, me meta nos seus problemas, por favor. Eu fiquei com tanto medo de te perder.
- Desculpa (eu digo com voz embargada e ele se afasta estudando meu rosto)
- O que aconteceu?
Vou até a maca e me sento, antes de olhar para seu rosto preocupado e começar a falar.
- Isso é tudo culpa minha (resmungo encarando o chão) A mãe da Hazel foi pega e ela vai precisar ir para um abrigo, e meu pai vai ser indiciado.
- Como isso é culpa sua? (Ele pergunta baixinho se sentando ao meu lado)
- Eu fui obrigado a fazer corpo de delito.
- Nada disso é sua culpa, Nico.
- Se eu não tivesse ido para sua casa eles estariam bem.
- Você sabe que não! Se você não tivesse ido me ver, eles iriam continuar te machucando, ou pior, você não teria sobrevivido a essa noite.
- Eles não queriam...parece que tudo o que está acontecendo é por minha causa.
- E é! Mas foram eles que causaram isso. Pensa um pouco em você, Nico, por favor. É mais importante se proteger, do que defender quem não liga para você.
- Quem não liga para mim (repito suas palavras)
- Desculpa, eu não quis...
- Está tudo bem (digo fazendo não com a cabeça) Então...você me chamou de namorado na frente do seu pai? (Mudo de assunto e me divirto com seu enrusbecer)
- Você me deu um susto e tanto,ok? Eu nem pensei, só...mas que bom que te chamei assim. Talvez seja pela situação, mas ele reagiu bem e fez questão de resolver tudo da melhor forma quando soube que estamos juntos.
- Se soubesse que para ser assumido bastava desmaiar na frente do meu sogro, teria feito isso antes.
- Esse é o babaquinha que eu amo (ele diz rindo mas logo me olha assustado ao perceber o que disse)
- Eu também te amo, cachinhos ( correspondo e coloco a mão no seu pescoço o aproximando para um beijo)
O beijo é lento e precioso, sinto suas mãos segurarem minha cintura me puxando para mais perto e ele aprofundar o beijo, quando sua mão esquerda vai da cintura para debaixo da minha camisa e seus lábios para o meu pescoço, me desequilibro e caio na maca em cima da tipóia.
- Está tudo bem? (Ele pergunta me ajudando a levantar) Desculpa (diz envergonhado)
- Está tudo bem (respondo mal disfarçando a careta) Não sabia que você estava com tanta pressa de me levar para cama.
- Idiota (ele resmunga e seu rosto fica ainda mais vermelho)
Estou rindo da sua cara quando ouvimos batidas na porta e Hazel entra.
- Vai ficar aqui a vida toda? Também quero ver se ele está bem.
- Estou inteiro ( digo abrindo o braço que me resta)
- Nem tanto (ela diz vindo ao meu encontro e me abraçando forte demais)
- Se você quebrar alguma costela vou precisar ficar mais tempo!
- Aposto que quando ele te abraçou você não reclamou ( ela diz se afastando e rindo do rubor do loiro)
Conversamos um pouco sobre como as coisas se desenrolaram e ela não aceita minhas desculpas. E disse que o abrigo não era tão ruim, que até conseguia fugir de vez em quando. E então eu penso em cobrar algumas promessas de quando meus amigos disseram que eu podia contar com eles, espero que eles deixem a Hazel ficar uns dias nas suas casas.

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