doses homeopáticas

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Na manhã seguinte a batida na porta que costuma me acordar parece retumbar na minha cabeça, me arrumo sentindo uma dor insistente e fraca de cabeça, como apressado sem realmente ter pressa ,só quero estar longe do olhar irritado do meu pai e das gentilezas da minha mãe como se assim pedisse desculpas pelos dois, nessa casa é sempre assim não falamos do que realmente importa, seja meu pai ficando agressivo, nossa mudança, ou mesmo a morte da minha irmã,  só tentamos agir normalmente e esperar que tudo se resolva sozinho, estou tão cansado de fazer parte desse teatro.
Na escola estou só meio presente, meus pensamentos vão em direções que eu gostaria de evitar, a ideia de precisar dizer adeus, o jeito estranho dos meus pais, a falta de Bianca, o alarme soa estridente me trazendo de volta a realidade. Ao chegar ao refeitório sorrio ao ver todos na mesa, me aproximo e abraço minha namorada por trás, me sento e converso um pouco antes de chamar ela para conversarmos a sós.
Sua reação não é a que eu esperava ao dizer que terei que me mudar, não sei o que esperava mas com certeza não era essa indiferença, ela diz que imaginava que isso podia acontecer e que podíamos tentar manter contato se eu quisesse, mas seu tom dá a entender que ela não acredita que isso realmente iria dar certo.
Ela me dá um selinho e um abraço sem sentimento, engulo o que quer que eu esteja sentindo com isso e voltamos até nossos amigos, Cecil olha para a Lou de um jeito que eu posso estar imaginando mas parece magoado, e Will e Jason desviam o olhar quando tento perguntar sem palavras o que caralhos está acontecendo, volto minha atenção para Percy que não percebeu o clima estranho e continuou falando.

##
Semanas se passam e essas doses homeopáticas de dor parecem levar um pouco de mim, Lou parece que já terminou comigo só esqueceu de me avisar, meu pai está cada vez mais irritadiço e minha mãe triste, a única coisa boa são os meus amigos e o fato de que essa mudança está sendo adiada de forma indefinida.
Tiro meu fone e me despeço dos meus amigos dizendo que está muito tarde para continuar jogando, vou ao banheiro e quando estou fazendo meu caminho de volta para o quarto, escuto a voz exaltada do meu pai vindo da sala.
-Maria, não podemos continuar com isso, você precisa me ouvir.
-Não tem com o que se preocupar, você está exagerando.
- Eu não estou exagerando, só não quero te perder. Parece que eu sou o único que lembra que perdemos a Bianca.
- Eu também sinto falta dela, todos os dias, mas não podemos viver a nossa vida com medo.
- Vai ignorar esse problema até ser tarde demais? Igual ignorou o que estava acontecendo com a nossa filha?
- Você sabe que eu não sabia (vejo minha mãe chorar e meu peito afunda) Nem você percebeu.
- Não coloque a culpa em mim! ( Ele diz um pouco mais alto)
Minha mãe chora em silêncio e ele passa a mão no rosto e respira fundo antes de se servir com wisky.
- Vou ir me deitar (ela diz fazendo menção de sair)
- Isso, fuja dos seus problemas, isso parece estar dando muito certo.
- Não sou eu que estou fugindo, o que está fazendo bebendo a essa hora?
Ele a olha com aquele olhar que até agora só vi dirigido a mim, uma raiva borbulhante e fria, temo por ela e vou em sua direção, ele me olha surpreso e então com raiva.
- Estava espiando? Tenho que me preocupar em como ter uma conversa em particular dentro da minha própria casa?
Ignoro suas palavras e peço para minha mãe ir se deitar, ela hesita mas por fim sai da sala, estou quase fazendo a mesma coisa quando suas palavras me param.
- Vai ficar do lado dela agora? Se você soubesse que é culpa dela sua irmã estar morta.
- Nunca mais repita isso! Nunca mais! Você sabe que é mentira. Eu também quis achar um culpado, mas não tem um, e a última coisa que você precisa fazer é com que a mamãe acredite que ela tem culpa.
  A raiva borbulhante em seu olhar parece se derramar, ele avança em minha direção e eu dou um passo para trás.
- Acha que pode me dar lição de moral? Tem um culpado sim Nico, e é você, vocês eram tão próximos, como não percebeu que ela estava tão triste que ia se matar? Será que você é tão egocêntrico assim, para não perceber o que acontece a sua volta?
  Essas palavras me atigem de um jeito que não sei descrever, engulo o nó em minha garganta e tento controlar o marejar dos meus olhos.
- Você é que não percebe o que está acontecendo a sua volta, o que sua bebedeira está fazendo com essa família.
  O aperto em meu pescoço agora era outro, sua mão está segurando meu pescoço e me fazendo encarar seus olhos tristes, raivosos e descontrolados, desejo que ele perceba o que está fazendo e me solte como das últimas vezes que cometi a burrice de o confrontar, mas ele bate minha cabeça na parede a minhas costas e estreita os olhos.
- Está me chamando de bêbado? Seu moleque inútil!
Tento desvencilhar seu agarre porque estou assustado e não consigo respirar, acabo o chutando e isso é como  jogar um fósforo em uma fogueira embebida em álcool.

## três dias depois

Só mais 1 km, tento me convencer de que consigo terminar a corrida mas meu corpo me trai, minhas pernas cedem e me deito, o sol parece tentar me assar e a roupa que estou usando só ajuda no processo, meu corpo está dolorido e não quero continuar me movendo e sentindo dor. Fecho os olhos e quando os abro Will está se sentando ao meu lado.
- Você está bem? (Ele pergunta preocupado)
- Não (digo cansado) Mas vou ficar.
Ficamos descansando um do lado do outro observando os outros terminarem a corrida, quando acabam ,Percy e Jason nos vêem e correm em nossa direção.
- O.treinador.vai...fazer vocês correrem desde o início (ele diz recuperando o fôlego)
- Por que pararam? (Jason pergunta sem falta de ar mas com as mãos apoiadas nos joelhos)
- Nico não se sentiu bem (o loiro diz ainda me olhando preocupado)
- É que hoje está muito quente (digo dando pouca importância)
- Pensei que você não sentia calor ( Percy diz com implicância) Mas sério porque está com essa blusa de manga comprida? É por isso que está fritando.
- Na verdade estou assando (o corrijo)

O treinador se aproxima com uma garrafa de água e verifica se estamos bem, antes de nos mandar correr do início, e quase tenho vontade de chorar. No vestiário enrolo até todos saírem para eu poder me banhar, a água fria cai como uma gota de chuva no deserto em meu corpo, parece que estou revivendo, evito olhar e tocar meus hematomas,e não é só porque está dolorido é para evitar um outro tipo de dor, me enrolo na toalha e vou me vestir quando vejo surpreso meus amigos do lado de fora.
- Nico (Will se aproxima hesitante e assustado olhando para o meu corpo)
- Eu falei ( Jason diz triste para Percy que obviamente não sabe como reagir)
Me afasto de Will e me viro de costas começando a me vestir.
- Nico (ele me chama de novo)
- Isso é assédio, espero que vocês saibam (tento brincar mas minha voz treme)
- O que aconteceu? (Percy finalmente pergunta)
- Nada...eu preciso ir (digo terminando de me vestir e indo em direção a saída que é claro eles estão bloqueando)
- Isso não pode continuar acontecendo Nico, eu sei como termina e nunca é bem (Jason diz como se falasse com uma criança)
- Não é o que vocês estão pensando (digo desviando os olhos)
- E o que é? ( pergunta Will com irritação)
Inconscientemente me encolho com o seu tom, mas me lembro que eles são meus amigos e não vão me machucar.
- Ele estava bêbado, não sabia o que estava fazendo (digo baixinho)
- Enquanto você der desculpas ele nunca vai ser culpado (Jason diz e também posso notar a irritação na sua voz)
- Olha, é complicado, não quero falar sobre isso (tento soar firme para que me deixem em paz mas infelizmente minha voz embarga)
- Não é complicado, é bem simples na verdade, seu pai te agride e pelo visto tem problemas com bebida. Você não pode continuar vivendo assim, toda vez que ele estiver bêbado ou irritado vai te usar de saco de pancadas? (Percy diz como se essa verdade pudesse ser dita assim sem cuidado algum)
- Temos que fazer alguma coisa Nico (Jason intervém)
- Não posso ficar de braços cruzados enquanto você se machuca ( Will se junta a eles)
Todos começam a falar e parecem exigir que ele faça alguma coisa, todos parecem irritados e ele se sente atacado, seus amigos não parecem perceber que ele está se encolhendo cada vez mais, tentando sumir e escapar.
- Por que todo mundo está com raiva de mim? ( ele solta em um soluço e sem permissão esse abre a porta para outros que ele tenta em vão abafar)
Eles olham espantados para ele e parecem não saber o que fazer, o único que pisca e se move é Will, que vai até ele e o abraça, começa a acariciar suas costas mas ele solta um lamurio de dor e ele então afaga seu cabelo.
- Desculpa Nic, não estamos com raiva de você, você não tem culpa de nada. Só queremos te ajudar, só não aguento ver você desse jeito.

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