o inferno são os outros

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Enxergo borrões pela visão periférica e escuto vozes ininteligíveis enquanto Will me arrasta para longe de toda aquela confusão, me pergunto se estamos correndo ou a adrenalina e o álcool estão altos em mim, me sinto ser empurrado sutilmente em uma parede e minha visão fica nítida ao ver o garoto me estudando com uma expressão que está entre preocupado e enraivecido.
- O que diabos aconteceu lá dentro?
  Ele exige com a voz levemente ofegante, olho em volta percebendo que estamos a alguns metros da casa, parados perto do seu carro.
- Nico! (Ele chama prendendo minha atenção novamente)
- Eu não sei (passo a mão no cabelo e olho perdido para ele) Desde quando Cecil e a Lou tem algo?
- Eles...namoraram no ano passado (ele finalmente diz em um suspiro)
- E porque eu não sabia disso?
- Teria mudado alguma coisa?
- É claro, eu...não sei. Seria bom saber. Talvez para não ficar com alguém que meu amigo ainda gosta bem na frente dele. Essa merda não é legal, Solace.
- Você não estaria com a Lou ?
- Eu...sim, mas... Eu já estive do outro lado, então não teria exibido isso na frente dele. Até entendo porquê ele me bateu.
- E por que você bateu nele?
- Tente lidar com ele! Ele está impossível, falou tanta merda e partiu para cima de mim. Que droga!
Vejo seu olhar amolecer e ele se aproximar levantando a mão e tocando meu lábio cortado .
- Dói? (Ele pergunta com a voz baixa)
Fico parado observando sua expressão com o olhar fixo na minha boca, engulo em seco e vejo seus olhos encontrarem os meus.
- Você disse que já esteve do outro lado. Quem foi louco de não querer você?
- Sola...(sou interrompido com os seus lábios sobre os meus)
Sua mão que estava pausada em meus lábios a um segundo atrás agora segura minha nuca, minha surpresa se dissipa conforme sinto o gosto de bebida em sua boca que explora afoita a minha, me arrepio ao sentir sua outra mão segurar firme sob minha camisa a minha cintura me trazendo para mais perto de si, estou mais inebriado do que qualquer entorpecente poderia me deixar mas minha consciência me diz que algo está errado, então me afasto.
  Ele me olha assustado com o rosto ruborizado, sinto meu rosto quente e ainda não recuperei meu fôlego.
- Des...desculpa, eu só...
- Está tudo bem (digo me recompondo) você estava bêbado, isso não precisa mudar nada.
Ele me olha e posso jurar que vi mágoa, mas ele logo acena e se apressa em voltar para a festa me deixando sozinho com a noção de todas as más decisões que tomei hoje. Respiro fundo e desejo ir para casa, porém minha carona acabou de me deixar e meu celular ficou na bancada da cozinha.
Entro hesitante e tentado passar despercebido, não vejo sinal dos meus amigos e infelizmente percebo os olhares sobre mim, recupero meu celular e dou uma olhada pela casa em busca da Lou, não a encontro e resolvo ir para os fundos da casa tentar pedir um carro em um app em paz, não tenho sorte, talvez seja pelo horário avançado, estou indo pedir ajuda para o cachinhos quando vejo Kayla, estou indo até ela quando percebo que ela parece estar com alguém, hesito em chamar sua atenção ao perceber que estão se beijando, resolvo interromper mesmo assim já que preciso achar seu irmão, mas então vejo quem ela está beijando. Seus lábios descem para o pescoço pálido da minha namorada, mesmo na penumbra reconheço seus cílios longos em seus olhos fechados e como seu cabelo escuro cai em seu rosto.
Estou surpreso mas não chocado, pisco atordoado e me distancio, não sei o que estou pensando mas com certeza preciso ir embora e principalmente ficar sozinho, no caminho pego uma das garrafas de vinho do armário de Cecil e saio andando enquanto viro a garrafa.
Eu sou bom tomando decisões ruins, mas hoje estou me superando, me distancie tanto da festa que já não escuto som algum além dos meus passos nessa rua deserta, andei o que parece ser uma eternidade e tudo que consegui foi beber quase todo o vinho e aparentemente me distanciar da civilização, nem mesmo casas vejo adiante. Desisto do meu orgulho e forço a vista embaçada para encontrar o número do loiro em meio aos meus contatos, ligo e espero porém ninguém atende, tento os meus amigos mas sem sucesso, sem opção de a quem pedir ajuda resolvo ligar para minha mãe, no terceiro toque já perdi as esperanças porém alguém atende.
- Nico? Por que está ligando essa hora? (Infelizmente quem atende é o meu pai)
- Pai. Cadê minha mãe?
- Eu não quis acordar ela. Onde você está?
- Eu..não, tudo bem, não é nada, desculpa .
  Estou prestes a desligar quando sua voz enraivecida me responde.
- Você está bêbado? Está falando arrastado.
- Não.  Está tudo bem, liguei por engano.
- Onde você está? E é melhor não mentir para mim.
- Eu não sei (digo em desistência) Pode me buscar por favor? Vou te enviar a localização.

Esperar sentado no meio fio de uma rua deserta e pouco iluminada com certeza é mais assustador do que andar por ela, estando parado me sinto ansioso e as cenas do que aconteceu voltam para me atormentar, por sorte a bebida me deixou sonolento e por isso quando cubro o rosto pela quinta vez tentando clarear meus pensamentos acabou cochilando.
-Nico! (Acordo com a voz severa e arrastada do meu pai me chamando)
Esfrego os olhos e levanto sem muita firmeza, entrando em silêncio no carro.
- Não vai dizer nada? (Ele exige ao começar a dirigir)
- Desculpa (digo envergonhado) e obrigado por vir me buscar.
- O que você acha que está fazendo da sua vida? Teria dormido na rua se eu não viesse?
- Pai, por favor (peço cansado e quase suplicante) Essa noite já está sendo bem difícil.
- Está sendo difícil para você? Quem é que teve que levantar de madrugada porque o filho bêbado ligou para a mãe doente para ir buscar ele no meio do nada?
Olho para janela e tento controlar o marejar em meus olhos, colocando assim eu realmente pareço um merda, mas então o cheiro de whisky chega até minha narina e observo de relance o aspecto do homem ao meu lado, sua olheira e olhos vermelhos, a barba por fazer e sua camisa molhada provavelmente por bebida, tento controlar a raiva que cresce em mim conforme ele continua me acusando mas então as palavras saem de mim como facas.
- Você não estava deitado, estava acabando com seu estoque de bebida como faz toda madrugada, aliás como faz todos os dias. Não tem razão nenhuma para me julgar por estar fazendo o mesmo que você, pelo menos eu só estou dando esse desgosto hoje, não a cada minuto do dia como você.
Ele solta uma mão do volante e tenta me bater porém seguro seu braço o impedindo, continuamos batendo boca até sua raiva aumentar e ele soltar a outra mão do volante, ele acerta meu rosto enquanto tento alcançar o freio, o volante, qualquer coisa, mas em um piscar de olhos já saímos da estrada e só consigo sentir o impacto quando acertamos uma árvore, a partir daí só tenho consciência de dor e enfim escuridão.

 Solangelo Onde histórias criam vida. Descubra agora