irmã

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Nut não é um bom companheiro de quarto, ele se deita ocupando boa parte da cama e me acorda de manhã bem cedo quando ainda está escuro para encher seu pote de ração que ainda tem ração. Na verdade, eu gosto de ter um gato, mas queria entender porque ele decidiu que meu quarto em específico é seu território.
Meu quarto... é estranho estar aqui há só dois dias e já ter me acostumado com a ideia de voltar. No fim Will estava certo, minha mãe pareceu apreciar a ideia de eu voltar a viver com ela, só aceitou feliz e perguntou se eu queria contar alguma coisa para ela, o que é claro eu não fiz, e felizmente ela não insistiu.
Minha relação com Will também aparenta ter voltado ao normal, e eu espero que continue assim, é muito ruim não poder falar com ele.
"Eu sei que disse para você não voltar. Mas agora está tudo bem"
Meu celular soa com a notificação da mensagem de Hazel.
"Haz, eu não vou voltar"
" O que aconteceu?"
" Vou ficar com a minha mãe"
" Tá bom. Mas pelo menos avise Hades, ele está preocupado"
" Vou ir aí pegar minhas coisas hoje"
" Boa sorte! Vou sentir sua falta me assombrando aqui, fantasminha"
Apago o celular e tento engolir o nó na minha garganta. Eu sabia que ela não reclamaria de ser deixada sozinha com eles, mas eu sei como é. Quando encontrar com ela, tenho que dizer que ela ainda pode contar comigo.
 
Como não costumo ficar muito tempo em um lugar é estranho perceber que estou a quase um ano aqui. Quando cheguei fiquei com tanto receio de me aproximar de alguém e preocupado em não me apegar a nada, porque imaginei que seria como nos outros lugares, eu me acomodaria e acostumaria, faria amigos e quando menos esperasse teria que me despedir e empacotar minhas coisas. E agora aqui estou eu, acomodado, acostumado e com amigos, e até um namorado, e fico feliz de ter a certeza de que não irei embora. De todos os lugares que já estive não imaginei que moraria em um como esse, Bianca teria adorado. Ela não era fácil de agradar, mas tenho certeza que ficaria feliz em se acomodar aqui e iria gostar dos meus amigos. Por tanto tempo fomos só nós, acredito que ela iria amar eles.
O luto é traiçoeiro, você evita pensar e foge das lembranças, mas em um simples momento em que você se dá conta de algo, como o fato de por fim ter ficado em um lugar, um pensamento fugaz te faz pensar e imaginar que ela adoraria isso. Dói de forma quase insuportável, abro a gaveta e desenterro a foto que deixei nela assim que cheguei nessa cidade, na foto posso ver minha irmã sorrindo e vejo como ela se parece com nossa mãe, tinha me esquecido de como são parecidas, por um segundo não lembro o som da sua voz e isso me assusta, porém me esforço e consigo até mesmo lembrar da sua risada. Não vou mais fugir, coloco o porta retrato na mesa de cabeceira,  não vou tentar esquecer dela por mais que doa lembrar.
O bom de hoje ser sábado é que não preciso ir para o colégio, e o ruim é que não vou encontrar os idiotas dos meus amigos e nem meu namorado. Checo se o preço do Uber está perto do valor do transporte, infelizmente está evidentemente mais caro e desanimado opto pelo ônibus, enquanto espero mando uma mensagem para Hazel avisando que estou indo buscar minhas coisas, ela responde que sua mãe não está em casa, e com isso posso imaginar que Perséfone não voltou a si.
Assim que me vejo de frente para o apartamento velho e sombrio me pergunto se não poderia ter adiado isso, respiro fundo e entro em silêncio com a chave que ainda tenho, vou direto para o quarto e felizmente já tenho prática em empacotar minhas coisas, imagino que não tenha se passado meia hora quando vejo a maçaneta girar, prendo a respiração temeroso e a solto quando vejo Hazel entrar.
- Vim oferecer ajuda, mas você já está terminando ( ela diz tímida de forma atípica do seu usual)
- A prática leva a perfeição ( sorrio e indico minha mala cheia)
- Nico...me desculpa (ela diz depois de um momento)
- Sabe, hoje eu estava pensando na minha irmã e acho que ela teria adorado você.
Ela me encara surpresa e não diz nada, estou quase acabando de colocar minhas coisas na mochila quando ela corta o silêncio.
- Eu coloquei a culpa em você. Não sei como ela gostaria de mim.
- Eu sei que você não faria se tivesse outra opção. Pode colocar a culpa em mim sempre que precisar, pode me pedir ajuda e contar comigo, estou indo embora mas ainda quero te proteger. Você é minha irmãzinha, e sei que Bianca também te veria assim.
Outra vez ela não parece encontrar palavras para contestar, termino de guardar minhas coisas e saímos do quarto.
- Vou sentir sua falta ( ela diz com a voz embargada)
- Deus! Que despedida mais dramática, eu não vou sair da cidade (digo rindo da cara dela)
- Foi você que começou com essa história de irmãos ( ela rebate me dando um soquinho)
Estou descendo as escadas do apartamento arrastando a mala com dificuldade quando meu celular toca, tento me endireitar para as coisas não caírem e pego o celular vendo a ligação perdida de Will, abro as mensagens e as leio.
- Onde você está?
- Vim pegar minhas coisas (respondo)
- Sozinho? Hades estava em casa?
- Não, já estou indo embora.
- Vou aí te buscar. Devia ter me chamado, não volte aí sozinho.
- Ok.
Termino de descer as escadas e espero ele chegar, estranho sua atitude, antes de nos afastarmos ele parecia querer me evitar, resolvo não pensar muito nisso e me animar porque irei vê-lo.

 Solangelo Onde histórias criam vida. Descubra agora