manhã cinza

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Acordo com a voz da minha mãe me chamando, esfrego os olhos e tento me situar com a visão do meu antigo quarto agora vazio e minha mãe parada na porta entreaberta.
- Você vai se atrasar! Estou te chamando há um tempinho, mas vejo que continua tendo sono pesado. Preciso ir, mas deixei o café pronto. Me liga se acontecer qualquer coisa, te amo, caro! (Ela diz e se vai apressada)
Encaro a porta assimilando suas palavras, ainda estou sonolento mas me forço a levantar. Tive uma péssima noite de sono, mas pelo menos estou aqui. Tomo um banho lento demais para quem está quase atrasado e tomo café, chegando em cima da hora no colégio.
Essa manhã cinza me traz um mau presságio, apesar dos resultados das provas não terem sido ruins como imaginei. A última aula é de educação física, sim, educação física em uma segunda, os métodos de tortura estão cada vez mais criativos. Na verdade, eu não desgosto dessa matéria, apesar de eu não praticar nenhum exercício por vontade própria, mas eu não estou preparado, minha roupa ficou em casa, e o uniforme que eu poderia conseguir aqui..bem, não é de manga longa. E esse é o tipo de merda com o qual preciso me preocupar, não está tão visível quanto antes, mas meus amigos vão perceber meus hematomas.
Olho em volta e me esgueiro em direção às arquibancadas, embaixo delas ninguém vai me ver, e eu não preciso participar dessa aula. Observo de longe a aula acontecendo, e logo começo a gastar o tempo no celular.
- Sabia que você estava aqui (Will diz me fazendo ter um sobressalto com sua aparição)
- Caramba, não apareça assim!
- Por que está se escondendo aqui?
- Por que você está aqui? (Devolvo a pergunta)
- Meu namorado não respondeu minha mensagem e fugiu da única aula que tínhamos juntos hoje ( ele diz casualmente como se não nos falássemos a dias)
- Não sabia o que responder ( digo desviando o olhar)
- Um "também sinto sua falta" já estava bom.
- Também sinto sua falta (digo e nós dois rimos)
- Desculpa Nico( ele diz sem jeito depois de um tempo)
- Me desculpa também.
- Somos dois idiotas (ele diz se aproximando)
- Muito idiotas (concordo segurando seu rosto e lhe beijando)
Ficamos nisso por um tempo, só tentando matar a saudade com o calor e o toque, é tão bom que me pergunto como consegui ficar longe dele.
Nossa bolha é estourada quando meu celular soa com uma notificação de mensagem, abro e leio rapidamente quando vejo que é de Hazel.
" Não sei onde você está, mas continue aí"
" Você voltou para casa?"
" Não posso ficar no Frank para sempre, a avó dele quase não deixou eu dormir lá"
" Você está bem?"
" Estou. Mas você não pode voltar por enquanto, eles ainda estão putos"
" Tá bom, tenha cuidado"
- O que está acontecendo? (Will pergunta assim que coloco o celular no bolso)
- Nada, era só a Hazel (digo dando pouca importância)
- Quem é Hazel? (Ele pergunta confuso e eu me xingo mentalmente)
Conto tudo que aconteceu no período em que ficamos sem nos falar, omitindo oque aconteceu ontem.
- Fico feliz por você, eu acho. Mas porque ela disse que "eles ainda estão putos"?
- Teve um mal entendido, mas não precisa se preocupar.
- É por isso que você não participou da educação física? Ele te machucou igual daquela vez?
Não sei de qual das vezes ele está se referindo, e nem tenho tempo para negar, porque ele começa a tentar levantar meu casaco em busca de algum ferimento.
- Para. Caralho, ele não me bateu. Para! Eu já disse que estou bem.
Ele cai em cima de mim durante essa briga ridícula, e consegue levantar meu casaco.
- Eu te disse (digo com tom derrotado, sem me importar em me cobrir de novo) Eu estou bem!
- Ainda não sumiu (ele diz tocando em um hematoma que já está quase desaparecendo) Faz dias e ainda dá para ver.
- Eu fico marcado fácil, é uma merda ser tão pálido.
- Não é esse o problema! Você não deveria ter hematomas para esconder.
O empurro para sair de cima de mim e me sento endireitando a roupa.
- Por que não foi para a aula então?
- Deixei minha roupa em casa.
- Era só pegar um uniforme extra e... Ah, daria para ver( ele diz percebendo meu problema) Isso é uma merda, Nico.
- Acha que eu não sei? (Digo irritado com toda essa situação)
- Por que você deixou sua roupa em casa? O que aconteceu para eles estarem putos? (Ele insiste indiferente a minha vontade de não falar sobre isso)
- Nada (digo me levantando e pegando a mochila para ir embora)
- Você não percebe? Não vê como é difícil amar você e assistir você se machucar e não aceitar ajuda? Porra, Nico! É por isso que eu tentei me afastar. É muito difícil te amar e aceitar o que está acontecendo!
O encaro sem saber como reagir, é a primeira vez que vejo ele com tanta raiva, seu rosto está vermelho e suas mãos estão cerradas em punho.
- Você me ama? ( Pergunto atônito depois de um momento)
- É só isso que você escutou de tudo que eu falei? (Ele rebate ainda raivoso)
- Eu te amo! (Ele diz com raiva se aproximando e segurando meus braços) Eu amo você, então...só me diz o que está acontecendo.
Encaro os seus olhos procurando algo que nem sei nomear, e não tenho certeza se encontrei ou não quando começo a contar tudo.
- Você não vai voltar para lá (ele diz categórico)
- Eu não posso deixar ele sozinho, e a Hazel precisa da minha ajuda. E não é como se eu pudesse voltar para casa, eu fiz uma escolha quando fui embora com Hades.
- Quem disse que você não pode voltar para casa? Tenho certeza que Maria te aceitaria mesmo se você não contasse nada para ela.
- Eu não sei (digo inseguro) Ela deixou ele por minha causa, aí eu fui embora com ele. Não sei se isso pode ser perdoado. E...eu odeio admitir mas ele pediu minha ajuda, disse que não conseguiria sozinho, e eu não fiz nada para ajudar ele. O que ele vai fazer se eu for embora? Como a Hazel vai sobreviver com eles?
- Você não precisa salvar ninguém, ouviu? Ele é um homem adulto, que precisa lidar com as próprias merdas. A única pessoa que você pode ajudar é a si mesmo. Ficando lá, você não ajuda ele e nem a Hazel, só vai continuar se machucando.
Fico em silêncio assimilando suas palavras, ele me abraça de lado e diz em uma voz mais branda.
- Acho que ela já te perdoou, sabe? O Nut é a prova disso, ela sente sua falta.
- Como eu posso só ir embora? (Pergunto perdido)
- Como você pode ficar? ( Ele rebate e me aperta no abraço permitindo que eu descanse a cabeça no seu ombro)
- Eu também amo você ( respondo sua declaração tardiamente)
- Achei que nunca ia dizer ( ele diz e posso sentir seu sorriso sem precisar ver)

 Solangelo Onde histórias criam vida. Descubra agora