Capítulo 2

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Capítulo 2


Fernanda


No dia seguinte, recebo a ligação de Kadhija, a diretora de Recursos Humanos da Oasis Airlines, que explica mais detalhes sobre minha seleção. Ela fala que eu só estava selecionada para entrar na segunda remessa de comissários, mas houve algumas mudanças e eles tiveram que inverter a admissão de algumas pessoas. Sendo assim, chegou a minha hora. Na ligação, ela fala que meu embarque está marcado para daqui a uma semana. Eu quase surto, porque penso "como eu vou organizar minha vida em uma semana?", mas aceito mesmo assim, pois esperei esse momento praticamente a minha vida toda. Quando termino a ligação, tomo meu banho, me arrumo e vou até a cozinha. Lá, encontro vovó sentada e lendo um jornal, enquanto Maria Luiza estava fazendo alguma coisa com um cheiro maravilhoso pro café. Dou um beijo na testa de dona Célia e me sento.- Bom dia, família!- Bom dia, mana.- Bom dia pra nova comissária do pedaço. Alguma novidade?- Tem sim. Recebi a ligação de Kadhija, e ela me disse que preciso ir até o escritório brasileiro da Oasis para entregar os documentos. Também disse que eu embarcaria em uma semana. - As duas param o que estão fazendo e me encaram, chocadas. Malu diminui as chamas do fogão e se senta conosco na mesa.- Mas assim tão rápido, Fê? E seu trabalho? Já falou com Michelle? - Então... Eu e Ceci vamos até lá agora de manhã para conversar sobre tudo, e logo depois iremos até o escritório da OA para entregar tudo que pediram.- Elas me observam apreensivas, o que é muito compreensível, porque eu vou estar morando do outro lado do mundo em uma semana. - Eu sei que parece loucura ir assim, mas vocês sabem o quanto lutei pra conseguir me formar no curso de comissária, ainda mais naquela época, com a morte da mamãe tão recente. Foram dias muito angustiantes, mas com o apoio de vocês, consegui superar todos os desafios. Só peço que confiem em mim.- Nós confiamos, meu amor. Só é difícil para nós aceitar que você vai estar a horas de distância, sozinha, em um país com costumes totalmente diferentes dos nossos, ainda mais sendo uma mulher fora do padrão e negra. - Você sabe que a aplaudimos a cada conquista que você teve ou tem, mas você não sabe como será num país tão diferente. Minha família acompanhou de perto todo o preconceito que sofri no curso de comissária, por ser uma mulher gorda. Eu destoava totalmente dos corpos sarados e magros que me rodeavam nas aulas, sempre recebi olhares e questionamentos do tipo "Você deveria mesmo estar aqui?'' ''Tem certeza que essa é a profissão certa?''. Eu sofria muito e me questionava se era realmente uma boa ideia, mas minha família nunca me deixou ficar pra baixo, nunca deixaram eu faltar um dia sequer. Às vezes, vovó até me acompanhava até lá para ter certeza que estava tudo bem e que eu não iria embora. Foi isso que me manteve em pé durante todo esse período.- Gente, entendo a preocupação de vocês, mas essa é uma oportunidade única, sabe? Mais dinheiro, mais conforto, a experiência de trabalhar na melhor e mais luxuosa companhia aérea do mundo...- É só preocupação, pretinha. Nós nunca iríamos ficar entre você e seus sonho. E independente de grana, queremos que seja feliz e que esteja segura acima de tudo.- Eu sei, mana, e é por isso que vocês são a melhor família que eu poderia ter. - Me levanto e fico entre as duas, dando um abraço em grupo bem apertado, arrancando gargalhadas das minhas garotas.- Agora preciso ir, vai ser um dia bem cheio. - Mando um beijo pras duas e saio de casa.Marquei de encontrar Cecília no metrô para falarmos com Michelle sobre nossa demissão, e assim que chegamos no hotel, vamos direto para sala dela. Ela nos recebe com cara de poucos amigos, como sempre, e eu conto a ela sobre os últimos acontecimentos. Depois de contar a novidade, ela olha para nós e eu posso jurar que vi uma expressão de tristeza no seu rosto, mas tão rápido como surgiu, ela foi embora.- Bom, meninas, eu só posso desejar boa sorte. Sei que sempre foi o sonho de vocês trabalharem na área e fico feliz que tenham conseguido. Só é uma pena que vou perder duas ótimas funcionárias... Apesar dos atrasos, né, dona Fernanda?- Ah, Michelle, você vai sentir saudades dos meus atrasos, pode falar. - Dou uma risadinha com Cecília e Michelle balança a cabeça negativamente. Ela escreve alguma coisa no computador e olha para nós.- Já encaminhei para o recursos humanos o pedido de demissão de vocês. É só ir no subsolo e falar com a Soraya, sobre a rescisão e as demais burocracias. - Cecília se levanta primeiro e aperta a mão da nossa antiga chefe, agradecendo pela oportunidade e desejando o melhor. Eu levanto em seguida e faço o mesmo, saindo da sala. Depois de resolver tudo no hotel, vamos para o endereço indicado por Kadhija, e ficamos chocadas. O prédio fica em uma área privativa no Joá, aqui no Rio. Nos identificamos na portaria, e eles mandam um funcionário para nos buscar com aqueles carrinhos que usam nos campos de Golf. Ele se apresenta como Samir.- Olá, senhoritas! Me chamo Samir e estou aqui para acompanhá-las até o escritório. Por favor, se puderem subir no veículo... - Nós nos olhamos e agradecemos mentalmente de não ter que caminhar nesse sol de 40º dessa cidade. Subimos no carrinho, sentando de costas para Samir, que começa a dirigir num ritmo agradável. Subimos uma ladeira asfaltada reparando no complexo, e meu queixo cai no fim do percurso. Do lado direito, estamos literalmente numa montanha que dá vista para o mar. É uma visão lindíssima e de tirar o fôlego. Depois de passar por essa parte, continuamos por essa rua, e no fim dela vemos um prédio gigantesco. Mais uma vez, ficamos encantadas. Tudo é feito de vidro, e ao redor tem muita vegetação, como árvores e arbustos cheios de flores, tudo muito bem cuidado. Em frente ao prédio, tem um lago com alguns peixes e patinhos. Descemos do carro e nos despedimos de Samir, que diz que é só entrar e nos identificar na recepção. Depois de nos registrar, a recepcionista nos indica o andar. Quando chegamos ao local, batemos na porta e ficamos chocadas com o auditório imenso e bem decorado. Vemos uma moça de pele bem morena e lindos olhos verdes logo na entrada, segurando uma prancheta. Ela usa um terninho na cor vinho, com uma saia mid bem alinhada e um véu branco que deixa parte de seu cabelo à mostra. Dá pra notar que seus cabelos são pretos e bem penteados. Nos lábios, usa um batom vinho e uma maquiagem impecável.- Olá, boa tarde. Me chamo Fernanda Martins.- E eu me chamo Cecília Vilela.- Olá senhoritas. Eu falei com vocês ao telefone. Me chamo Kadhija Al-Sabah, e logo me juntarei a vocês. Peço que se sentem, só estamos esperando mais algumas pessoas. - Ela fala com um forte sotaque, e nós apenas sorrimos e assentimos escolhendo uma fileira vazia no final da sala. Estamos sentadas aproveitando um suco maravilhoso que serviram para nos refrescar, quando de repente um homem alto e muito bonito pergunta se o lugar perto de Ceci está ocupado, ele dá um sorriso lindo, o que acaba mostrando suas covinhas. Ele parece um indígena, com uma pele num tom mais claro, mas bem bronzeado. Tem olhos pequenos e puxados, e segura um capacete de moto em uma das mãos. Olho para suas roupas e ele realmente parece aqueles caras que participam de motoclubes. A única diferença é que não tem nenhuma tatuagem e tem um rosto sem nenhuma barba. Olho para Cecília, que está vermelha e só falta se afundar na poltrona de tanta vergonha. Eu olho pra ele e dou um sorriso. Percebi que Cecília gostou do cara. Ela é uma pessoa maravilhosa, mas é tão tímida que não se dá a oportunidade de conhecer ninguém.- Oi! Não tá ocupado, não. Fica à vontade. Me chamo Fernanda. E você é?- Mateus, prazer em conhecê-la. E você? Qual seu nome? - Ele olha bem nos olhos da minha amiga, esticando a mão, e ela responde bem baixinho.- É Cecília. - Ele pega em sua mão, e eu percebo que tô sobrando aqui, porque se encaram como se não existisse ninguém ao redor. Depois de algum tempo, a sala escurece. Kadhija sobe no palco e nos dá boas vindas na empresa e começa a explicar como serão os próximos dias. Segundo ela, hoje nós entregamos os documentos e faremos nossos exames admissionais, daqui a dois dias teremos um pré treinamento e, por fim, o embarque. Quando chegarmos na sede da empresa e fomos alocados em nossos apartamentos, teremos o que eles chamam aqui de ''Dia Cultural", que serve para conhecermos mais os costumes do país e valores da empresa, além de nos ambientarmos mais com o local. Ela explica também algumas regras que já sabíamos, como o uso de drogas no país e alguns tipos de vestimentas que é recomendável evitar quando se está sozinha. Como somos estrangeiras e a maioria é mulheres, é bom evitar correr algum risco. É dito também sobre tatuagens visíveis, como teremos que estar sempre maquiadas, com roupas passadas e bem lavadas no padrão OA. Mas depois de explicar a parte complicada, vem a parte boa, que são os benefícios. A Oasis oferece acomodação totalmente grátis, incluindo luz e internet. Iremos dividir o apartamento com duas outras pessoas, e cada uma tem sua suíte, o que dá mais privacidade ainda. Teremos gympass, 90% de desconto em passagens aéreas para qualquer destino, além do plano médico, descontos em locais selecionados pelos Emirados Árabes e o salário extremamente competitivo. Quando ela termina de falar eu olho para Ceci, que me encara com o sorriso mais largo do mundo, e acabamos caindo na gargalhada de nervoso. Assim que a reunião acaba, nós somos encaminhados para outro andar para fazer um lanche. Quando achamos, vamos para outra parte do prédio entregar tudo e fazer os exame. Quando finalizamos, retornamos para o RH e somos liberadas com nossas passagens de avião e mais informações do que é legal levar para nossa nova vida em outro país. Como só poderemos voltar ao brasil daqui a seis meses, é bom levar tudo o que é necessário. Depois de finalizar tudo, Samir retorna para nos levar até a entrada do lugar, e no caminho penso como o universo nos surpreende e chacoalha tudo. A um dia atrás nunca, imaginaria que estaria realizando esse sonho. Foram tantas situações que quase me afastaram disso, só tenho a agradecer por ter permanecido forte. É com esse pensamento que vou pra casa pronta para contar a novidade para as minhas garotas.                                                                                        

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No dia do embarque, eu estava muito ansiosa, quase não dormi. Meu voo estava marcado para o último horário daquele dia. Minha família me levou até o aeroporto, mas infelizmente embarcarei sem Cecília, porque seu voo foi uma hora mais cedo que o meu. Farei uma escala em São Paulo, e depois de lá, irei direto para Dubai, e de lá, vão nos colocar em um hotel para que esperemos todos os outros novos contratados para sermos alocados no lugar que iremos morar. Tomamos um café da manhã ali no aeroporto mesmo, e logo escutamos chamarem meu voo. Me despeço da minha família com um aperto no coração. Elas são tudo que eu conheço, são meu porto seguro. Minha avó põe as mãos no meu rosto completamente emocionada.- Vá com Deus, minha neta querida. Que você faça uma viagem tranquila. Não esqueça de avisar assim que chegar em São Paulo e quando embarcar para Dubai.- Pode deixar, vó. Mandarei mensagens e ligarei sempre que possível.- Isso aí, mana. Queremos saber cada passo seu. - Malu diz e me abraça forte. - Faça boa viagem, pretinha. Sempre soube que você chegaria onde deseja. Você é a pessoa mais esforçada, amável, inteligente e profissional que eu conheço. O mundo é seu. E é com felicidade e muita esperança que pego aquele avião rumo ao meu sonho, e certa que grandes coisas me esperam.

Encontro nos Céus : A Aeromoça e o SheikOnde histórias criam vida. Descubra agora