Capítulo 9: "Revelações"

124 17 15
                                    

Estava no caminho certo. Aquela carta era o comprovante. Havia aguardado por bons anos o indicativo de ser ajudado nos seus propósitos.

Ora, quão claro foi o mensageiro. "Bem aventurado és por recebê-la", certamente o melhor estava por vir.

Chegada era a hora que destruiria aquilo que mais o acorrentou. Outrora seu medo o abateu de tal forma que até o respirar se tornara um sacrifício.

Não tinha afetos ao seu lado, nem um laço de amizade havia feito desde então. Viveu solitário, cabisbaixo, chicoteado pelos golpes do rancor e do medo.

Agora estava ali, pronto para enfrentar seus obstáculos impetuosos, desta vez não estaria sozinho...

XXX

_A maneira com que apareceram em minha casa não foi mera coincidência_ os olhava indiscretamente com olhos enigmáticos. O velho tentou ser bem claro e direto em suas palavras_ Por acaso não tinham para onde ir? Seus pais os odeiam?

_O senhor não deveria ser tão insensível quanto a esse assunto_ passou à frente das palavras de seu marido. Cecília já não suportava aquele homem malicioso que quase cometera homicídio em plena luz do dia.

_Sensibilidade é algo que transborda no seu olhar, ainda mais a misericórdia que corre em suas veias! Você é doce, mais doce do que o mel_ era certo que suas palavras a atacaram por dentro. Sabia que eram verdadeiras, cada uma delas.

_Não admito que de sua boca saiam palavras que engrandeçam minha esposa. Aqui está aquele que deve o fazer, o único por direito_ Emanuel se referia a si mesmo. Não havia gostado daquelas ousadas palavras do velho. Aquilo o fez prender Cecília contra si com o intuito de não mais soltá-la.

_Meu jovem, bem sei seu esforço em guardá-la toda para si. Cecília é sua, por direito_ fez questão de destacar as duas últimas palavras como Emanuel havia mencionado.

_Você? O que sabe sobre a minha vida? Lhe revelei algo durante essas poucas horas que estive aqui?_ aquele velho estava sendo ousado demais, caso se alterasse sairia dali com Cecília mesmo que lá fora estivesse ainda chovendo.

_Sei até mais que imagina!_ retrucou finalizando com um sorriso no canto da boca.

_Afinal, quem é você?_ o encarou também ousado.

_Sou Christopher, seu mestre!_ pausou para que recebessem o choque imediato, depois prosseguiu_ Vocês dois fazem parte de uma missão, são peças fundamentais no meu jogo de "gato e rato".

_Você é um louco!_ bradou Cecília pronta para falar algo a mais, porém seu marido não deixou.

_Agora vejo que é apenas um contador de histórias. E pensar que acreditei na tal lenda que nos contou_ aquilo era falso demais para supor ser verdade. Aquele velho mentia descaradamente.

_Gabriel pode falar mais do que eu! Assim acreditarão..._ indicou-lhes o anjo que acabara de chegar. Já estava impaciente, o velho se enfurecia quanto à descrença dos outros.

_Agora já sabem quem sou eu!_ o anjo disse presenciando com atenção a reação do casal ao saber seu nome_ Sou Gabriel, o anjo enviado por Deus para instruir todos vocês.

_Anjo?_ aquilo escapou de sua boca. Cecília não soube explicar o motivo daquela comoção que a fez derramar lágrimas.

_Sim Cecília, e tenho como provar_ aproximou-se um passo do casal. Pareciam receosos, pelo modo que Emanuel o olhou deu a entender que tudo aquilo que disse era uma abominação. Os olhos do jovem estavam perplexos e aflitos_ Não há o que temer, sou pacífico! Vim para auxiliá-los!

Viu Cecília limpando seus olhos molhados, o anjo havia se apiedado. Mas ao se aproximar mais do casal, dessa vez de modo significativo, a moça rapidamente se refugiou nos braços de Emanuel, virando as costas para si.

_Afaste-se, por favor!_Emanuel logo disse para o anjo. Até mesmo ele sentia medo daquele ser_ Minha esposa está amedrontada, por favor, nos deixem a sós!

_Deixaremos_ o anjo disse abalado pela rejeição_ Mas antes volto a lhes dizer que vim em paz. Peço perdão por assustá-los com minha presença, verão quão fácil será me aceitar quando abandonarem o medo!

XXX

Gabriel e Christopher tiveram que os deixar a sós. Pouco era o espaço naquela casa pequena, se possível fosse ouviriam a conversa do casal do cômodo ao lado onde estavam.

Mas o anjo estava abatido e impossibilitado de ouvir qualquer palavra com os embalos de sua mente o remoendo de dor. Porque o rejeitaram? Nem mesmo era um monstro, tampouco comum aos seres das trevas que se camuflam em rostos horripilantes.

Ele era angelical, e agora seu corpo estava na forma de um homem comum aos outros. Tudo isso para que não se assustassem com a sua fisionomia.

Doía em si, toda aquela realidade o fez abater-se profundamente. Christopher falava consigo, mas a voz do velho só servia para irritá-lo. Sua preocupação se voltava para o casal, pouco se interessou com aqueles ruídos vocais.

Quis falar com Deus, seu Senhor saberia moldá-lo conforme deveria estar, forte e inabalável.

_Meu Senhor, como posso sentir tamanha dor? Vejo agora a rejeição ao meu redor e sinto um vazio dentro de mim_ aquilo dizia mentalmente, já que Christopher estava ao seu lado.

_Lidamos com isso diariamente_ dizia Deus na mente do anjo_ Gabriel, você sempre soube que as mentes humanas estão corrompidas... Dizem ter verdade onde há mentira, se desesperam em plena calmaria, outros se desviam em linha reta, vendam os olhos e dizem enxergar a luz e sentem medo da própria sombra... Quão maravilhoso seria se esses meus filhos tivessem mais fé!

_Sim, tudo isso é verdadeiro!_ afirmou abatido.

_Então aguarde esse momento de agonia desses meus filhos amados. Sinta também a aflição de ser rejeitado para por em destaque esse sentimento que tanto vivencio! És forte, na medida do possível! Acabar-se em dor não será o seu martírio.

_Assim será, meu Senhor_ concordou sentindo certo alívio.

XXX

_Não chore!_ Emanuel tentava acalmá-la.

_Parece loucura minha, mas sei que Gabriel é um anjo... Eu sempre soube! Por que estou agindo dessa forma? Por que acredito?_ sentada ali, à frente daquele que sempre lhe ouvia, careceu de um consolo maior que carícias em seu rosto.

_Dizendo assim, serei fracassado na tentativa de confrontar com sua verdade!

_Meu marido acredita que debaixo desse teto há um anjo?

_Se não houvesse, menos me assustaria_ deixou escapar.

_Então não sou a única a crer nessa insensatez, nossas mentes andam lado a lado_ mal sabia se era bom ou ruim.

_Temos que agir como se isso fosse fruto do real, talvez assim nosso medo se vá para longe_ propôs esforçando um sorriso tímido a se animar.

_O anjo disse ser pacífico. Tolice nossa temê-lo!_ sua mente clareava com certo encanto que refletia em seu rosto.

_Antes disso devemos saber o motivo que o trouxe aqui_ a alertou.

_Meu marido tem razão. Temer poderá se tornar uma alternativa saudável!

Na esperança de um caminho certoOnde histórias criam vida. Descubra agora