CAPÍTULO 4 - DAGURASU (LESTE)

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Apenas sinto medo. Explicar o indecifrável parece tão assustador quanto tentar imaginar a forma com que ele aparecerá de novo. Um funil destroçando tudo. Escuridão, ruínas, a muralha que se mexe. Existia uma palavra para definir o que sinto. O medo de tudo não é nada menos do que o medo do nada. Um baú assombrado dentro de mim se abre constantemente, como uma cicatriz viva. Algo tenta me lembrar de onde eu vim. 

A tontura se dissipou e o enjoo cessou. Um profundo desânimo toma conta de mim ao pensar que logo vou sentir tudo de novo. Já deveria ter me acostumado. Meu irmão mais velho, que me acompanha, está muito mais adaptado do que eu. Ele me chama de frango. A maioria dos insultos, segundo ele, me ajuda a ficar mais forte enquanto tentamos sobreviver a este mundo que se perdeu no tempo.

Para um garoto acanhado e medroso como eu, estar vivo até agora é um milagre. Um navio entupido de pessoas não me traz a sensação de segurança, como acha a maioria. É um terror para mim. Medos inexplicáveis ainda me atormentam a cada fechar de olhos. Enjoos, desmaios e vômitos são diários em pleno oceano.

Coberto da cabeça aos pés com roupas surradas, apenas meus olhos puxados estão à mostra. O vento leve bagunça meu cabelo volumoso e desfiado. A franja se mantém praticamente intacta, caindo pela minha testa. Apesar de estarmos caminhando numa região onde só se vê areia, sinto que conheço este lugar.

 Essa sensação surgiu depois de um dos meus sonhos. Nenhum pesadelo poderia ser pior do que o que estamos passando na Província Leste. Uma praga de oito patas não está mais tão rara assim. Elas são cor de creme e expelem um pó devastador semelhante à areia. Elas vivem nele e o produzem numa assustadora velocidade. Somente essa espécie consegue sintetizar a substância e transformá-la em fonte de alimento no seu organismo. O problema é que ele torna infértil o solo e o desgasta. 

A praga se espalhou pelas terras do Leste numa velocidade imbatível. Se essas aranhas se multiplicam como água, essa substância é um tsunami (sinto algo familiar ao ouvir esta palavra).

Não sobrou nada, só um monte de pó — um deserto vivo. Algumas espécies de animais conseguem suportar as condições do solo improdutivo. O pó é razoavelmente corrosivo. Em outras palavras, não foi possível continuar sobrevivendo em terra seca. Quem conseguir sobrevoar o céu sobre o Leste, vai enxergar a maior frota de navios do planeta.

O azul do oceano quase desaparece em meio à cidade flutuante na qual vivemos. Existem os navios ideais para todos os gostos: a frota do entretenimento para quem gosta de cinema. Nem sabíamos o que era filme até eles serem exibidos recentemente. A frota das usinas coleta o sal e produz a regrada energia da cidade. A frota escolar ensina o que não se perdeu no tempo.

A mochila com os equipamentos pesa. Roubei tudo do cofre do comandante do meu navio. A palavra roubar soa forte, sendo eu o inventor de todo esse aparato: caixa de poliuretano, tela metálica com nanopartículas catalisadoras e o pequeno cilindro ativador de ondas.

Chamo todos pelo nome, pois não criei um título oficial. Com apenas algumas explicações, Yudi franziu a testa e chamou de Peneira de cocô de aranha. Basicamente, é isso — uma miniatura de um filtro capaz de reter o pó corrosivo e neutralizar a substância que tanto afeta nosso solo. 

Ninguém põe fé nas minhas invenções a não ser meu irmão. Ofereço muito suor, lágrimas e sangue para bolar qualquer coisa que permita a vida em terra firme. Uma pilha de invenções está guardada no navio/base do VGP. Por sorte, recuperei esta mochila antes que se juntasse ao monte.

Ela vai funcionar. Preciso apenas chegar aos samurais. Não podemos ser vistos em terra. Nem sempre meu irmão vem comigo. Hoje é um dia difícil para ele, noto isso no seu olhar, apesar da casca dura. Saio apesar da forte oposição do meu pai, que ainda trabalha quase como um escravo nos porões cheios de motores de alguns navios.

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