CAPÍTULO 9

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A agora não tive contato algum com o acampamento. Sem dúvida, a VGP está no encalço deles também. Dirijo-me, neste momento, à estação central de Manaus, onde várias seções de translado estão organizadas sob uma estrutura grandiosa e magnífica. Dirigimo-nos ao guichê de vendas da seção de transportes terrestres. Tento não olhar diretamente para o vendedor digital — uma tela interativa com voz eletrônica. A câmera captura a imagem do passageiro e confirma a identidade através de uma verificação no pulso.

Kulina olha para relógio atrás da tela e balança o pé direito em sinal de nervosismo. Faço sinal para que ela mantenha a discrição. O scanner automático realiza alguns movimentos robóticos e se aproxima do meu pulso esquerdo. Um círculo esverdeado roda na tela. O processo demora mais do que o normal, o que me faz respirar fundo. Nessa altura, posso esperar tudo: câmeras de vigilância me cercando e agentes da força de segurança provinciana nos perseguindo.

O círculo continua girando. Provavelmente, o sistema me identificou como sendo o fugitivo mais procurado da Província. A mudança na minha aparência não foi suficiente? Nem mesmo a inclusão de um novo chip caseiro? Essas perguntas invadem minha mente enquanto a tela fica escurecida por alguns segundos e depois exibe minha foto com a identificação: Toni Silva, 33 anos.

Na cabine ao lado: Luana Moreira, 17.

O suspiro de alívio ainda vem acompanhado de dúvida, pois, a qualquer momento, posso ser capturado.

O valor de cento e oitenta sizos é descontado de minha conta virtual para o valor de duas passagens até Nova Rodésia — a região que recebe, armazena e distribui grande parte dos produtos alimentícios da Terra Oeste.

— Você é dona de si graças à lei de emancipação da Província, mas não pode pagar sua própria passagem — cochicho para Kulina. — Pensei que indígenas tinham privilégios.

Como sempre, a resposta vem com um olhar especial. Dessa vez, algumas palavras de sarcasmo o acompanham.

— Definitivamente você não pertence a este futuro. Volte à realidade, por favor — sussurra Kulina.

Suas palavras me fazem pensar se houve um tempo em que indígenas eram protegidos e tinham seus espaços respeitados. Se esse período existiu, ele se foi há séculos. As tribos que conseguiram sobreviver se escondem na selva atrás de mitos e lendas espalhados pela Província. Muitos órfãos como Kulina se abrigam em grupos perseguidos pelo governo.

O cartão de confirmação de compra é impresso. Ao entrar no ônibus robusto, encaro sorrateiramente cada passageiro. Qualquer um deles pode estar seguindo nossos passos. Sobraram vários assentos vazios.

As noites de viagem clandestina me renderam garantia de voltar com suprimentos para o acampamento, mas cobraram um preço extra do meu corpo, que clama por longas horas de sono.

Quase fui pego junto ao grupo de recolhedores de metais entres os campos de Fitorremediação. Aquele risco — desnecessário, a meu ver — resultava em fonte de renda para os trabalhadores ilegais. Por algum motivo, havia mais lucro em recolher metal nas raízes de algumas árvores do que em tirar o material do próprio solo contaminado.

Ao menos, adquiri mais resistência e aumento muscular com o manuseio dos pesados maquinários. O porte atlético adquirido durante as missões de mergulho na Marinha estava quase se desvanecendo nos dias angustiantes após o desaparecimento de Cauã, mas logo recuperei o porte físico necessário para chegar até meu destino.

Aqueles dias circulam na minha mente agora. Neste exato momento, sobre a poltrona acolchoada, sinto-me impotente diante do sono.

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