Ainda me restam mil e seiscentos sizos (moeda internacional). O renascimento de cidades em meio a florestas cobrou seu preço. Recursos naturais — água, sementes, solo saudável — tornaram-se extremamente valiosos. O que foi possível recuperar ou restaurar teve seu preço triplicado. São exatamente sete da noite, e a aurora amazônica parece ser artificial, mas é mais uma das marcas deixadas pelas fortes tempestades geomagnéticas que atingiram o planeta.
A cada instante em que baixo a cabeça para não ser reconhecido, olho de soslaio para as pessoas que passam por mim na agitada noite urbana de Manaus — um nome não oficial conhecido pelos cidadãos, mas proibido pela Província Oeste.
Todos agem tão naturalmente! Olhando atentamente para as mãos exibindo aparelhos rústicos, muitos não percebem o que acontece ao seu redor. Outros lotam as praças públicas, deliciando-se com seus espetinhos de peixes.
Alguns moradores estão aglomerados em torcidas em volta de ringues onde pequenos robôs duelam entre si. Os demais se distraem com música enquanto correm ou pedalam, isso sem fone de ouvido! Esse item tornou-se artigo de museu. O mesmo chip implantado no pulso possibilita tanto a visualização de uma tela holográfica quanto a propagação de sons via Bluetooth.
Há ainda crianças que se penduram em cipós nas casas suspensas, ao mesmo tempo em que os adultos se reúnem nas varandas improvisadas.
Observo essa rotina com certa repulsa. Sinto pena dessas pessoas! Elas sobreviveram ao apocalipse, que nem mesmo deveria ter acontecido, para viver uma falsa distopia.
No entanto, as vielas do subúrbio não ficam às soltas. A vigilância é constante. Eu simplesmente adoro esse aglomerado de casas e favelas. Como eu posso definir a região pobre de uma Província amazônica no ano dois mil quatrocentos e cinquenta:
O cheiro de peixe frito ou assado está em todos os cantos. O aroma gorduroso de Matrinxã domina na cheia dos rios, e o que chamo de odor de Bodó impera na seca. Acho que esse pedaço da cultura amazonense foi um dos poucos que sobreviveu. Talvez seja por isso que gosto tanto dessa parte também! Tudo é tão simples e com cheiro de peixe. Aqui os prédios exibem estruturas comuns de concreto. O toque futurístico está apenas nos drones que sobrevoam as ruas e em alguns poucos veículos.
Os condomínios residenciais geralmente são ocupados pelos trabalhadores das usinas termomagnéticas, montadoras de automotores e das gemas côncavas (áreas extensas e profundas do relevo amazônico com formatos circulares produzidos após as tempestades eletromagnéticas, ricas em recursos minerais).
Ainda na classe pobre, chamada de terceira classe, estão os que não conseguem empregos formais e sobrevivem de trabalhos autônomos. Estes ergueram casas e cabanas nas árvores. A minha paisagem predileta aparece por volta das sete horas da noite, quando o sol se vai por completo e as árvores exibem as coloridas luzes vindas das casas suspensas. Um sonho infantil de ter uma casa na árvore tornou-se algo corriqueiro e necessário hoje em dia.
A energia elétrica é racionada e vem de muitos recursos renováveis, como energia eólica e biorrenovável, além das usinas. Quando os recursos naturais da Terra estavam à beira da extinção, várias guerras e conflitos ao redor do globo completaram o serviço. Isso deixou uma grande massa de poluição e gases tóxicos no ar, causando sequelas a curto e longo prazo na saúde das populações terrestres.
Entre a exuberância amazônica, a Província esconde muitos segredos. Minha rota em busca de mantimentos para meus protegidos passa por Nova Rodésia. Nessa cidade, termina um dos limites do território amazônico. Relatos dos que chegaram perto desse limite contam que, no fim do rio, há uma infinita cachoeira descendo por um gigante buraco escuro e assustador.
VOCÊ ESTÁ LENDO
MAPS
Science FictionTudo começa com um experimento tecnológico que deu errado e resultou em um caos generalizado no mundo que conhecemos. Em uma tentativa de controlar os problemas, algumas organizações surgem, chips são implantados nos indivíduos e o mundo é dividido...