CAPÍTULO 12

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Agacho-me devagar para tirar a incômoda prótese. Um gemido de alívio chama a atenção dos passageiros.

— Acho que não é uma boa ideia — diz Kulina.

— Você não tem noção de como é bom poder mancar decentemente — respondo.

Nos acomodamos próximo ao garoto tímido que nos joga um rápido olhar desconfiado. O clima já está muito pesado para estas caras fechadas. Eles acabaram de sair de um enterro?

— O primeiro contato com a resistência — digo. — Eu nunca vou me esquecer disso.

Olho para Kulina para que me ajude a começar a conversa, mas sem resultado.

Apesar de serem adolescentes, há muitos passados estampados em seus rostos. Parecem marcados por medos próprios. Estão aqui por algum motivo, e só pode ser aquele no qual estou pensando agora.

— Sonhos, lembranças, vultos — digo, sem encará-los. — Tento continuar dormindo para alcançar o que acho ser uma perda. Como posso perder algo que nem mesmo lembro? Felizmente, minha maior perda está muito clara na minha mente. A pele clara dele puxou para o lado da mãe. Seus olhos me denunciam como pai dele. Bem alto para um curumim de doze anos.

A seriedade dos garotos passou para mim agora. A culpa é minha por ter dado uma de grande sofredor que sobrevive de dores e perdas.

— O que é "curumim"? — A voz da garota de olhos chamativos sai grave.

Reajo à pergunta com um sorriso. Foi muito mais do que um questionamento. Trata-se de uma oportunidade para falar mais sobre Cauã e dividir um grande peso com alguém — algo que não faço desde que Alana resolveu desistir da procura.

— É um garoto — respondo. — Curumim significa garoto.

— É muito estranho seus sonhos serem mais completos do que os nossos — diz a menina.

Enxergo um provável motivo sombrio para a suspeita da garota. Ela tem cara de que não confia fácil. Seu olhar mostra que já se deixou levar pelas marcas de um passado. Tento ser o mais gentil possível.

— Mesmo assim, não são suficientes para desmascarar os mistérios da vida — brinco. — Eu sou o Alex, muito prazer. Ela é Kulina.

O dorminhoco levanta de supetão. Que cara de pau fingir um sono e ouvir a conversa alheia.

— Não brinca! Alex Naamurã? — pergunta ele. — O cara mais procurado da Província Oeste?

— Eu mesmo.

— Você não tem cara de índio — diz a garota.

— Cara, que grosseria — diz o garoto.

— Você não me chamou de cara! Ou chamou?

— Você tá ouvindo muito mal — responde o palhacinho. — Escutando coisas, vozes. Tá tudo bem? Eu chamo um psiquiatra, se precisar.

O olhar fulminante dela praticamente perfura o garoto.

— Ou eu posso me calar.

O menino tímido apenas ri disfarçadamente da situação cômica.

— Eu sou descendente de indígenas, ou pelo menos foi isso o que consegui descobrir sobre meu passado.

— E pensar que estávamos prestes a completar o quebra-cabeças só com o que conseguimos lembrar desses sonhos... — diz a garota.

— Você não tem jeito, não é? Onde estão seus modos? — A provocação do garoto atrevido continua. — Desculpem, eu sou Bill Tyler, da Província Norte.

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