Na noite de nossa fuga às escondidas, acomodamos apressadamente varas e caniços de pesca no fundo na canoa. Cauã segurava uma lanterna grossa enquanto eu remava suavemente. Quando percebi a coragem do pequeno Tarzan boy aos poucos se desvanecendo diante da escuridão da selva, resolvi atiçá-lo ainda mais:
— Sabe como eu aprendi a nadar?
— Você já contou essa história, pai!
— Eu contei as partes posteriores às primeiras lições na escola de natação, mas o fundo histórico você ainda não sabe.
— Fundo histórico?
— Sim. Ainda não te contei, porque foi um tanto traumático.
— Sério?
— Minha mãe aceitou o convite para um final de semana no sítio de uns amigos. Ela sempre foi muito aventureira, igual à sua mãe. Meu pai não quis ir. Ela levou sua tia e eu. Percorremos uns doze quilômetros de carro, atravessamos o Rio negro de lancha, andamos cerca de três quilômetros e, por fim, chegamos à beira de um igapó, onde havia uma canoa estreita nos esperando.
Minha mãe franziu a testa ao olhar para a pequena embarcação. Éramos um grupo de treze pessoas. Faríamos duas viagens. Depois de muita insistência da amiga, minha mãe cedeu e embarcou.
— Um igapó? A vovó embarcou com você e a tia Susy? Quantos anos vocês tinham?
— Ah! Eu tinha nove e sua tia, uns doze.
Eu usava minhas histórias de aventuras na selva para amedrontar aquele menino corajoso, mas Cauã captava cada detalhe para zombar depois. Dessa vez, não foi diferente:
— Imagino você com olhos esbugalhados! Sério, pai, até que diminuíram um pouco, mas, pelo que já vi no álbum da vovó, você tinha olhos muito grandes. As risadas de Cauã ecoavam pelo breu amazônico enquanto eu remava. Apesar de ainda ser um menino, sua voz soava grave.
— Vai rindo, moleque!
— Pai, aqui tem muito mato! Aonde você quer chegar?
— É aqui! A entrada do igapó.
— Não vai me dizer que...
— Sim, o mesmo que atravessei com sua avó para chegar à fazenda.
O curumim pigarreou. Um ligeiro levantar denunciou a mudança de emoção. Ele tentava disfarçar, mas o nervosismo foi mudando levemente a expressão de Cauã, que sussurrava:
"O que se vê, transforma.
O que se pensa, invade.
O que se sente, domina.
Em um pulsar nada está longe.
O tudo desaparece.
A ilusão desvanece.
Assim, o medo acontece".
— Você está com medo, garotão?
— O que aconteceu depois, pai?
— Dois homens remavam cautelosamente entre as árvores parcialmente submersas. A esposa de um deles segurava um bebê com menos de um ano de idade!
— Fala sério!
— Sim. E a situação piorou quando começou a entrar água na canoa rasa. A mulher com o bebê começou a chorar e pedir que os homens voltassem para a margem de onde tínhamos saído, mas eles continuaram. Eu olhei para cima e vi a expressão no rosto da minha mãe.
— Como ela estava?
— Serena. Eu tenho certeza de que minha mãe estava em pânico por dentro, mas ela fez de tudo para não demonstrar isso aos seus filhos. Hoje, sua avó conta que não tirava os olhos de uma caixa térmica que estava atrás dela. No instante em que a canoa ameaçasse virar ou afundar, ela não hesitaria em agarrar a caixa e sentar sua tia e eu em cima dela. Ela estava ocupada com gelo e alguns peixes. A caixa era grande o bastante para caber duas crianças magras. Minha mãe é uma exímia nadadora. Foi criada em um sítio rodeado por braços de rio. O fato é que, naquele dia, ela fez de tudo para nos transmitir confiança. E deu certo, porque foi exatamente o que eu senti naquele momento.
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MAPS
Science FictionTudo começa com um experimento tecnológico que deu errado e resultou em um caos generalizado no mundo que conhecemos. Em uma tentativa de controlar os problemas, algumas organizações surgem, chips são implantados nos indivíduos e o mundo é dividido...