IV

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- Po-pode - gaguejou o peão, com receio da conversa.

- Calma, meu filho - Angelina indicou o caminho da sala, onde os três sentaram - Não julgo vocês, até acho tão bonito que estão conseguindo viver esse amor... Mas você sabe que te conheço há muito tempo, né, Ramiro. Desde que você era um molecote que nem pegava em arma ainda, e ficava mais tomando banho de rio com o Caio do que trabalhando - ela sorria com ar nostálgico.

- É verdade, a senhora foi quase qui uma mãe quando eu cheguei na fazenda - o peão pareceu ficar emocionado com a lembrança.

A mulher olhou para o rapaz maior com ternura:

- Só não cuidei mais de você, como cuidava do Caio, porque o seu Antônio implicava com minha atenção. Ele dizia que eu ia criar dois frouxos.

- Bem a cara dele mesmo...- Kelvin não conseguiu conter o comentário e a cara de desagrado.

- Eeeeê, não tem froxo aqui não - rebateu o moreno, franzindo a testa.

- Nunca pensei isso de você, filho... Mas você era um menino sensível, que gostava de estar com os bichos, de cuidar das plantas... Era um doce de garoto. O patrão deve ter colocado muita coisa na sua cabeça, para lhe deixar tão bruto - Angelina tinha uma dose de dor na voz.

- Ah, nem lembro... Parece que as coisas sempre foram desse jeito, patrão manda e Ramiro obedece - o peão constatou isso com um olhar triste.

- Mas eu lembro bem de quanto o Caio levava as namoradinhas pra fazenda, e elas ficavam querendo saber de você, te procurando, e você ficava todo envergonhado... - a ex-governanta sorriu de novo

- Quantas vezes o Caio quis me sentar o braço por causa disso... e eu nunca fiz nada, ficava quieto no meu canto, elas que vinham ciscar em volta de eu - Ramiro defendeu-se

- É, eu notava que você não se interessava por nenhuma delas... - comentou Angelina, com um tom de quem queria dizer mais do que as palavras expressavam,

O peão a encarou, sentindo-se acuado:

- O que ocê tá querendo dizê?

Ela respondeu com doçura, tentando mostrar que estava do lado dele:

- Que eu sempre soube que você gosta de meninos. Pra mim sempre esteve claro.

- Não, eu gosto do Kevinho, só dele - afirmou o moreno com convicção, mas depois coçou a barba, inquieto - Mas como ocê sabia?

- Uma vaquinha malhada conhece outra vaquinha malhada... - Angelina respondeu de um jeito divertido.

O grandão estava confuso:

- Nóis tamo falando de mim ou de vaca?

Kelvin acarinhou a mão do namorado enquanto explicava:

- É uma expressão, amor... pra dizer que uma gay reconhece outra.

- Peraí, dona Angelina namora muié? - Ramiro ergueu as sobrancelhas, espantantado, e Kelvin riu da surpresa dele:

- Só você não sabia, meu bem...

A mulher soltou um suspiro e desabafou:

- Eu sempre fui muito discreta. Até porque você conhece bem o doutor Antônio... Ele não se importava com minha vida particular, desde que fosse tudo bem escondido.

Ramiro lembrou da noite em que foi flagrado pelo patrão dando aqueles tapinhas no traseiro do seu Kevinho. E ouviu coisa semelhante. Naquela ocasião, ele sentiu-se humilhado, mas agora entendia que não fazia nada de errado. E que Antônio não tinha direito de falar daquela forma. Mesmo assim, ainda achava que devia respeito ao seu superior.

Garradinho, garradinho...Onde histórias criam vida. Descubra agora