SEVILHA - 1996.
María estava terminando de almoçar. Mal podia conter o frio que se instalava em sua barriga e o tremor em suas pernas inquietas por debaixo da mesa. Comia rápido com grandes colheradas e sequer saboreava a refeição, de forma que sua mãe era obrigada a lhe repreender para que parasse. A pequena María limpou o prato e saltou da cadeira para buscar a mochila, cujo fez questão de organizar na noite anterior e deixar pronta na poltrona da sala. Sofria do perfeccionismo e da antecipação desde criança.
- Filha? - dona Martínez chama. E María interrompe sua corrida desajeitada no meio do trajeto, escorregando com as meias no piso de madeira liso de um jeito engraçado. A mãe sorri com a animação dela, pondo as mãos na cintura e frazindo o cenho, curiosa - Tem certeza que quer ir sozinha? A gente devia assistir o seu primeiro treino -
María dá pulinhos ansiosa, e meio receosa de chatear a mãe ao pedir para que ela não vá no seu primeiro dia.
- Quando você puder ir, eu aviso, mamãe. Eu ainda quero treinar muito, muito, muito. Aí quando você puder ir eu digo, porque aí eu vou estar boa e fazer um gol pra você, tá bem? - ela diz de um jeito adorável, contendo seu sorriso - Eu quero primeiro ficar muito boa, tá bem? Eu te amo -
Ela mesma dá o assunto por encerrado e corre para a sala de estar. Pôs as alças da mochila nas costas, calçou os tênis esportivos e saiu, pulando até mesmo da varandinha de casa para disparar pela rua. Era um dia ensolarado e quente, típico da Andaluzia, e ela tinha combinado com ele de se encontrarem na esquina para caminhar até o ponto de ônibus que os levaria ao centro de treinamento do Sevilla.
María correu o mais rápido que pôde pela calçada, e quando chegou na esquina, o menino loiro e dentuço já estava lá parado esperando. Ele a encarou com um sorriso doce e verdadeiro, quase admirado e tão empolgado quanto ela.
- Calma María, ainda é cedo - ele diz quando ela quase que não consegue parar de correr, e o empurra um pouquinho, esbarrando em seu ombro.
- Vamos! Vamos logo - ela vocifera animada. Ele olha para ela de cima abaixo, meio desconfiada.
- Não esqueceu de nada? - pergunta, sempre cauteloso e um pouquinho mais experiente que María.
- Não Sergio, vamos logo pegar o ônibus, por favor! - resmunga balançando as mãos frenticamente. Ela finalmente relaxa por alguns segundos e respira direito, tentando conter um pouquinho da alegria para se recuperar da corrida.
Ele se inclina para frente, olhando para as meias dela. E então assente.
- Vamos.
Os dois saem caminhando juntos pela calçada, Sergio sempre mais tranquilo e caminhando vagarosamente, ele já estava acostumado com aquele caminho, já María, precisa segurar a vontade de correr. Ramos pensa um pouco, e então percebe que talvez conversar pudesse ajudá-la a não ficar tão eufórica.
- Eu vou te mostrar tudo, o treinador já disse que eu posso perder um pouco do treino pra isso. Você vai gostar, é grande, e de vez em quando os jogadores do Sevilla aparecem pra treinar - ele comenta.
- Isso é comum? - María pergunta lançando um olhar de estranhamento pra ele.
- Não - ele confessa com um sorriso sapeca que diverte aos dois - Mas já aconteceu uma vez, tomara que aconteça de novo, né -
María dá de ombros e volta a encarar o chão. Eles caminham por mais alguns curtos minutos e finalmente chegam até o ponto de ônibus. Eles se sentam um ao lado do outro nos banquinhos de madeira, e encaram a esquina da rua juntos, esperando o ônibus que a qualquer momento dobraria ali.
- Qual chuteira você trouxe? A vermelha? - Sergio pergunta por perguntar, ele já imagina exatamente tudo o que tem na mochilinha dela.
María se vira para ele e assente com veemência.
- Sim, ela me dá sorte.
- Quer trocar de meião?
Ele pergunta esticando a canela e exibindo seu meião vermelho, que combinaria ainda mais perfeitamente com a chuteira que María tinha trazido. Ela observa, reflete e então assente.
- Pode ser.
Eles se inclinam juntos para baixo, desfazendo os laços dos respectivos tênis que calçam, tiram os sapatos e então rolam o par de meiões pelas canelas. Sergio passa as meias vermelhas para ela, e María lhe dá as meias branquinhas recém lavadas que usava. Eles as vestem de novo e põe os sapatos. Sorriem um para o outro como cúmplices, mas ela é muito atenta, quebra o olhar primeiro e volta a encarar a esquina. Sergio, agora meio tímido, encara a mão de María, repousada no banco de madeira.
Ele tenta lentamente aproximar os dedinhos dos dela, e os toca, María não percebe e nem faz alarde. Ele continua, tentando cada vez mais tocar a mão dela com a sua própria, sentindo seu coraçãozinho começar a bater um pouco mais rápido, prendendo de leve a sua respiração. Quando ele está prestes a conseguir por sua mão sobre a dela, María levanta num solavanco.
- O ônibus!! Vamos embora! - vocifera animada, acenando frenticamente na direção do coletivo.
Sergio bate o pé no chão e faz uma careta triste, mas disfarça antes que ela perceba. Fica de pé e acena para o ônibus também. Os dois sobem as escadinhas juntos e pagam sua passagem, pegam o lugar no banco mais alto e seguem seu caminho juntos rumo ao centro de treinamento do Sevilla, animados e sempre unidos.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Camas, Sevilla - a Sergio Ramos story.
FanfictionNascida das areias dos impérios árabes, a gruta dos povos mistos. Todo o sangue corrente nas veias desses rios, seus donos lendários e vermelhos. Almas loucas, segredos, sol e bola. Um presente bifurcado precisa de um passado unido, e nada do que ve...