24- leaving tonight

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(NESSE CAPÍTULO É IMPORTANTE QUE VOCÊS PRESTEM ATENÇÃO NA MÚSICA)


FLASHBACK.
MADRID, meados de 2016.

Estamos sentadas numa mesa redonda num camarote cujo desconheço o dono. Os bancos de couro são pretos, assim como a mesa de vidro e a sombra em meus olhos. O copo à minha frente está largado, como que abandonado, com um cubo gelo solitário boiando e se derretendo dentro, diluindo minha bebida ácida.

A boate estava lotada. A música alta rugia, e do andar de baixo vibravam nas paredes do edifício os ecos e reverberações das ondas sonoras. O calor humano não nos alcançava, ainda que me sentisse sufocada naquele ambiente tão claustrofóbico. As luzes psicodélicas rebatem em seus olhos em flashes frenéticos que me enervam de forma doentia. Enterro as mãos no meu cabelo preso em um coque bagunçado, minhas unhas arranhando meu couro cabeludo.

Odeio isso. Odeio festas em boates, odeio estar na rua tão tarde. Encaro a mesa vazia e não encontro razão para ser ou estar.

Estou sóbria e tenho que me fingir de bêbada para suportar tudo ali e justificar minha língua solta. Alguns babacas ricos perambulam por perto, Allice fala com eles, mas eu me recuso e finjo não estar ouvindo os gritos que me direcionam com uma gentileza de bêbado que me causa desprezo. Allice ri sem jeito, mas assim que os riquinhos vão embora ela me dá uma cotovelada e se prepara para me encher de perguntas.

— Você vem à uma boate pra ficar com essa cara? Você é uma das pessoas mais ilustres desse camarote — ela pergunta me encarando com os olhos esbugalhados incrédulos — Eu não te entendo, você vive aqui, mas odeia vir aqui —

— Eu não venho aqui pra ficar de conversinha fiada com filhos de empresários, nem com estrangeiros com espanhol de puteiro — minto, meus olhos vidrados nem piscam, permaneço estática com a cabeça enterrada entre as mãos e os olhos sutilmente esticados entre as palmas.

Os olhos pretos de Allice se estreitam em meu rosto como se estivesse me analisando minuciosamente, e então se voltam para o ambiente esquadrinhando as pessoas torpes e estupidificadas na pista. De repente, sua expressão aborrecida muda e ela abre um sorriso enviesado, levanta a mão e balança os dedinhos em direção ao bar de um jeito muito mulherzinha. Estranho mas não pergunto, e logo ela abre a boca de novo.

— Mas e com um colega de profissão? Vai uma conversinha fiada? — pergunta permanecendo com olhos fixos no mesmo ponto.

Olho na direção que ela encara, erguendo a postura.

De início não consigo distinguir as silhuetas encostadas no balcão, são todos exatamente igual sob a penumbra noturna e os relances feéricos de luz. Até que percebo que apenas uma figura não se movimenta ali. Ele ergue a mão, acena para mim enquanto eu forço meus olhos para reconhecê-lo e sequer retribuo o cumprimento.

— Tá cega? É o tal do Marco Asensio — ela provoca, deixando um tapinha em meu ombro.

Irrito-me e desvio o olhar para Allice com as sobrancelhas unidas.

— E eu lá sei quem é esse garoto?! Ele jogou aonde? — indago exasperada, vendo logo em seguida o sorrisinho matreiro surgir em sua boca pintada de vermelho.

— O RM contratou faz uns meses — revela e eu sinto um leve arrepio correr minha pele por baixo das mangas longas do vestido. Meus olhos se cristalizam abertos e meu tom de voz subitamente diminui, de repente sinto medo.

— Ele tá sozinho... Ou tem mais alguém do time com ele? — indago olhando Allice de soslaio.

— Não o vi com ninguém, talvez nem tenha se entrosado com o elenco para sair junto com alguém — ela dá de ombros despreocupada, não percebe meu alívio instantâneo em ouvir aquela afirmação — Ele deve estar conhecendo a cidade, já que veio de Palma —

Camas, Sevilla - a Sergio Ramos story.Onde histórias criam vida. Descubra agora