11- hope is a dangerous thing...

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POV: María.

Os corredores frios da sessão de carnes combinam com meu humor insípido, e as cores brancas desanimadas daqueles corredores cheios de produtos me faziam sentir minha própria ausência e vazio. Encaro o nada com os olhos abertos, sem reagir ao mundo. Já fazem dois dias que estou no automático e não realmente percebo nada ao meu redor, apenas sigo o fluxo dos acontecimentos, respondo mecanicamente e evito me esforçar minimamente para qualquer atividade.

Eram três da tarde, e Mamá pediu para eu e Carmen irmos ao supermercado em Sevilha buscar algumas carnes nobres, pois ela quer testar receitas novas antes do natal. Eu estava encolhida em minha cama quando ela me pediu, e não tive forças para dizer não, apenas balancei a cabeça positivamente e voltei ao estado inerte em que estava.

A verdade é que o encontro com Ele me transformara num espectro distante, sugara a minha energia e abalou a base sólida que eu fingia ter antes, e tudo o que eu podia fazer agora é aproveitar essa ausência de mim, o bloqueio emocional monstruoso que me anestesia de sentir todas as dores que isso me causa.

— Esse corte tá bom? — Carmen pergunta, erguendo um pedaço de carne embalado na minha direção. Eu ergo os olhos e pisco cansada, fazendo uma força enorme para ouvir o que ela diz e formular uma frase em resposta.

— Eu não cozinho e nem faço compras — respondo fraca, logo voltando a fitar o chão incolor do mercado. Me inclino sobre o apoio do carrinho, apoiando meu rosto em minha mão com muito desânimo.

— Eu me esqueci, você é milionária desde os dezenove anos, né? — ela ri, largando a carne no freezer de novo. Ignoro o comentário, apenas sigo Carmen enquanto ela caminha, estou logo atrás empurrando nosso carrinho ainda vazio. Ela observa outro pedaço de carne e analisa com muita perícia — Você devia pelo menos tentar aprender. Fabricar um pouquinho de humildade, talvez fosse bom pra você —

Suspiro, e desta vez tenho que usar o triplo da força para olhar para Carmen.

— É — digo calmamente, umideço meus lábios e ignoro novamente essas insinuações. Mas ela não, ela se vira na minha direção em seus saltos e arqueia uma das sobrancelhas.

— O que aconteceu aquele dia, irmãzinha? — questiona, e um cinismo sútil atravessa sua voz, os olhos de raposa estreitos e me fixando com uma pontada de maldade — Você chegou tão acabada e esquisita —

Massageio o espaço entre minhas sobrancelhas tentando desfazer o nó de estresse que se forma ali.

— Você vai pegar a carne ou não? — pergunto e ergo minha postura, minhas costas ainda doem. Odeio admitir mas ela meio que tem razão, e todos perceberam a minha fraqueza repentina.

— Eu tenho que escolher bem, você acha que as coisas funcionam assim?

— Vou mostrar como elas funcionam.

Eu dou a volta no carrinho indo em direção aos freezeres sentindo minha paciência chegar ao limite. Carmen se afasta de mim e parece aliviada ao perceber que não estou indo na direção dela e sim para as carnes. Agarro tudo o que minhas mãos conseguem pegar, peças de carne que eu não faço ideia do que sejam ou quais sejam. Seguro uma pilha de medalhões e atiro tudo aquilo dentro do carrinho, com força e de uma só vez. Puxo o carrinho metálico mais para perto e começo a literalmente atirar as carnes lá dentro até que eu me canse daquilo. Tem uma montanha dos mais diversos tipos de boi e porco ali.

Lanço um olhar desafiador por cima dos ombros para Carmen, que me encara com raiva e esquadrinha os arredores envergonhada. Os poucos clientes que nos rodeiam pararam para assistir a cena.

— Tá bom assim?! Agora a mamãe pode escolher pessoalmente — torço os lábios e ergo os ombros fazendo pouco caso.

— Mimada — sibila baixinho por entre os dentes trincados e o sobrancelhas retorcidas, me arrancando a primeira gargalhada franca em algum tempo me alegrando com a sua hipocrisia.

Camas, Sevilla - a Sergio Ramos story.Onde histórias criam vida. Descubra agora