19- baby came home 2.

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SERGIO.

"Nunca fui de escrever. Nunca tive o talento. Estou tentando pela primeira vez em muitos anos, e francamente não sei se conseguirei pois minhas músicas sempre falaram o que eu não podia dizer.

Hoje, fico quieto sobre tudo e espero que as coisas passem. Mas alguém muitos anos atrás me disse que escrever é arrancar um pedaço de si e pôr no papel, se livrar de um peso ou de uma parte de você mesmo. Bem, a mesma pessoa que me contou isso é o motivo de eu estar escrevendo, sozinho no quarto depois de um longo banho frio.

María.

Sonoro, fácil de lembrar, popular. Um nome universal. Nome de santa, nome de menina, nome de mulher. Mas no mundo entre tantas delas, só existe uma María que me interessa. Aquela que eu não pude agradecer em frente as câmeras, após o jogo mais importante de toda a minha vida. Aquela que finjo não conhecer, por medo do que aconteceria caso ela lembrasse que um dia nos conhecemos.

Seu nome transitou pela minha boca como um lapso entre  'Sevilla' e 'Camas', enquanto eu agradecia à todos aqueles que amo. Por muito pouco eu não o disse. Eu não o disse, mas ainda te amo, e seria impossível não amar.

Seu nome tem gosto de lar, gosto da minha terra. O sabor apimentado do cozido que mamá cozinhava para nós quando comíamos na minha casa, ou do molho que sua mãe cozinhava quando comíamos na sua. Para mim, seu nome tem cheiro, forma, e cor. É verde esmeralda, igual aos seus olhos.

Ainda te amo, porque você foi a única a me contar sobre as coisas que me esperavam. Finalmente aprendi que a guerra dos homens é aquela que mora no coração. A guerra da paixão, da raiva, e do arrependimento. Veja María, as coisas são mais bonitas do realmente parecem. O Bernabéu que sonhamos, os troféus, os sorrisos e a alegria. É tudo real, do jeito que imaginamos deitados no chão do seu quarto.

Eu sei que você sabe disso, você é tão vitoriosa, vista, odiada e amada quanto eu. E em meio à toda essa beleza caótica do estrelato, o mais doloroso é saber que nunca mais vou poder olhar para as arquibancadas e te perguntar com os olhos "Você viu só o que eu fiz?!", pois você não está lá para balançar a cabeça e sorrir de volta, como quando éramos crianças. Como quando ainda éramos feitos de segredos, sol e bola.

Você pode não se lembrar, mas eu me lembro de tudo, e você nunca vai poder tirar isso de mim pois faz parte de quem eu sou. Afinal, eu ainda levanto o meião na altura dos joelhos por sua causa, e quando tomo sorvete ainda me lembro de como você gostava de pedir o seu.

É quase como se eu pudesse encarar o vazio e materializar você ali, com seus dezesseis anos, parada no canto da sala, enquanto seus olhos me encaram num silêncio soberano. Posso imaginar você andando pelo meu quarto, rodopiando na saia de estudante, tirando seus mocassins pelos calcanhares e se deitando de bruços na minha cama. Seus olhos continuam à me encarar, indecifráveis, distantes, estáticos. Seu cabelo espalhado pelos lençóis numa bagunça tão bonita.

Busco conforto nessa menina de mentira que se apossa da minha cama e não me deixa dormir direito. Mas você é imprevisível demais para que eu consiga inventar algo que você realmente diria. Ela é apenas uma réplica feita de desespero, uma menina que me encara com olhos melancólicos, uma sombra sem alma ou vigor. Aqueles olhos não queimam como os seus, instantâneos e inesquecíveis.

Sinto falta disso, do seu olhar crítico que destrinchava as coisas ao seu redor com uma ironia delicada, nos rápidos segundos onde eu podia assistir você banalizar as coisas que os outros endeusavam. Você já sabia que nada na vida seria seu sem um derramamento de sangue. Nada viria sem suor ou lágrimas, mas isso não lhe roubava o brilho. Sua coragem é infinita, movida por uma força de vontade tão nobre que lhe faz humanamente incapaz de desistir.

Você ainda é o meu conceito pessoal de resiliência. Dói saber que até a sua pior versão deve ser melhor do que eu.

Eu queria ter a inteireza de procurar por você. De olhar nos seus olhos de novo, de encher o peito de coragem e falar do jeito que falo com os outros, mas você parece ser tão mais forte do que eu. Tão maior e mais digna. Meu castigo é ver você superar tudo aquilo que ainda me corrói, e me conformar em fazer parte dos problemas com os quais você já lidou, e eventualmente, esqueceu.

Talvez a pior das guerras seja a que eu travo contra o passado, e é a pior pois essa eu sei que nunca poderei vencer. Sempre sou nocauteado quando o cheiro do orvalho e das flores de Santa Brígida enchem meus pulmões misturados com seu perfume, e logo em seguida desaparecem sem deixar frestras ou lacunas pra me agarrar.

Eu amo você. Morrerei amando. E quando eu estiver velho e meus joelhos não aguentarem mais chutar a bola, então eu voltarei para casa. Vou sentar sozinho nas arquibancadas do Sevilla, e aí poderei pensar em tudo que já fiz naquele mesmo gramado.

E se por acaso a sorte me sorrir, talvez haja um garoto e uma garota treinando juntos por ali...

Aí poderei pensar em nós.

Sinto sua falta."


Camas, Sevilla - a Sergio Ramos story.Onde histórias criam vida. Descubra agora