5- alleyways.

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A luminosidade diurna entrava pela janela e ardia nas minhas pálpebras fechadas insistentemente. Pestanejo, soltando um gemido de dor ao sentir o peso do meu próprio corpo. Meu cabelo estava completamente bagunçado e estranhamente, minhas costas doem, ainda que eu tenha investido milhares de euros numa cama ortopédica específica para atletas de alto rendimento e cheia de complexidade, elaborada pelos ortopedistas mais renomados do planeta terra. Não adiantou de merda nenhuma, depois de meses dormindo bem, constato que estava certa em achar que camas são camas, não importa o que aconteça.

Me viro para encarar o teto, já irritada por essa questão. E imediatamente entro em parafuso ao dar de cara com um teto cor rosa, repleto de estrelinhas neon, e não com o teto cinza do meu quarto, em milésimos cogito estar sonhando, mas sei que não estou. Levanto em um solavanco assustado notando aquela cama não era a minha. Olho ao redor como quem varre o ambiente atrás de pistas ou de ajuda, e ainda levam mais alguns segundos para que eu caia em mim e me recorde de tudo. Eu estava em Sevilha, no meu quarto de criança, e pelo visto dormi pesado na minha antiga cama de mais de 20 anos de idade.

Sinto minha própria saliva seca no rosto, e não demoro até sentir o relevo das marcas dos lençóis em minha bochecha, a visão ainda turva pela ressaca do sono mal dormido. Confiro meu próprio corpo, sentindo um pouquinho de nojo ao ver que ainda uso a mesma calça jeans e camiseta com a qual cheguei, mas não me culpo, deduzo que apaguei em algum momento enquanto revivia minha infância nas estrelas fofas do teto.

Não me culpo, mas me obrigado a levantar e me pôr em ordem. Vou para o banheiro e tomo um banho rápido, tendo a certeza de que todos os itens estariam em seu devido lugar, e de fato acertei, meu banheiro continuava organizado do mesmo jeito de sempre, os shampoos e itens eram novos, mas continuavam estando na borda da pia. Vesti uma roupa confortável e desci as escadas para tomar café. O que vem aumentando a cada passo é a voz de minha mãe, cantarolando seus flamencos favoritos da época de dançarina, e o som bonito vem somado ao cheiro do café, e dos ovos que ela sempre preparava.

Me sentei na mesa redonda sentindo-me criança outra vez. Pus o pé descalço no assento e apoiei o queixo em meu joelho flexionado como gostava de me sentar quando eu era menina. A memória física, distante, mas tão gravada em mim ao ponto de me fazer ter vontade de levantar, pegar a mochila e fazer o clássico trajeto até a escola. Aquela rotina ainda estava gravada no corpo.

Dona Martínez só percebeu a minha presença ao sair do fogão e se virar para mim com a frigideira na mão. Ela se assuntou um pouco, de um jeitinho fofo, eu lhe sorrio e ela me sorri de volta com uma doçura cúmplice e silenciosa. Ela dá a volta na mesa e vem despejar os ovos no meu prato com todo o carinhoeo mundo.

Aos olhos de Dona Martínez, eu sempre estava precisando ficar ainda mais forte do que já sou. Velhos hábitos nunca morrem.

- Coma tudo para ficar bem forte! - ela ordenou pondo o resto dos ovos em seu próprio prato.

- Eu sei mãe - assenti, garfando uma porção dos ovos, provei e aprovei com um longo suspiro satisfeito - Incrível como os seus ovos mexidos ficam muito melhores que os meus. -

- É lógico, tem o meu toque especial - ela sorriu e eu concordei feliz, pondo mais uma porção na boca. O toque especial, que é mais uma soma do amor de mãe com a memória afetiva que tenho com aquele café da manhã.

Aquele café da manhã tinha gosto de lar, senti saudade de sentar nessa cozinha e observar a silhueta de minha mãe no fogão preparando os ovos mexidos, senti saudade do cheiro do café perfumando o ambiente e fazendo meu estômago roncar de fome todas as manhãs. No Real Madrid, você só come ovos mexidos se forem de uma granja específica, onde as galinhas não recebem injeções de antibiótico para botarem ovos maiores e consequentemente, não afetam o seu metabolismo. Lá o café é apenas do arábico, com grãos selecionados exportados da Etiópia. Tudo isso em nome do mais alto rendimento.

Camas, Sevilla - a Sergio Ramos story.Onde histórias criam vida. Descubra agora