16- thunder.

46 6 16
                                    

POV: RAMOS.

"Sentado no sofá, o livro entre as minhas mãos tem cheiro e cor acre e ocre. Páginas doloridas de serem dobradas, muito antigas, gastas. Meu exemplar de O Barbeiro de Sevilla ainda estava intacto ali desde a época do colégio, mas não conservado. O velho perfume de livro guardado perfumava o ar enquanto aberto, e eu folheava suas páginas com calma. O silêncio sepulcral da vizinhança, as luzes da casa inteiramente apagadas e um único abajur iluminando com sua luz cálida as letras impressas.

Eu pretendia seguir a noite concentrado nisso, não fosse pelo assustador toque de telefone. Meus olhos ágeis fixam imediatamente na direção do som e eu me empertigo numa postura meio combativa, não é o celular, não é o mesmo toque. O som vem da cozinha. Deduzo que seja o velho telefone fixo de mamá. Mas quem ainda teria esse número? E por que ligar uma hora dessas?

Talvez sejam ameaças. Pode ser que seja um chantageador que me descobriu na cidade. Como diabos aquele telefone poderia tocar logo agora? Deixo o livro na mesinha de centro e fico de pé vagarosamente, encarando o corredor soturno até a cozinha enquanto ouço o segundo toque alto vibrar por toda a casa, e logo em seguida o silêncio estarrecedor. Meus poros se eriçam de receio, quero acender a luz, mas não o faço.

Caminho até lá, meus pés descalços no assoalho de madeira cruzando o corredor estreito. Paro no arco da porta, olhando diretamente para o telefone cor de creme preso à parede. Ele vibra mais uma vez, eu pisco. Não penso mais em nada, puxo o fone do gancho e colo ao rosto.

— Pronto — digo áspero, olhando para os arredores, por algum motivo me certificando de que estou realmente sozinho.

— Ah, meu deus... — a voz frágil e feminina sibila do outro lado do fone. Voz quebradiça, chorosa, mas madura. De uma senhora provavelmente — É você mesmo, menino? —

— Diga quem é, ou vou desligar — respondo duro e sério. Atento ao que aquela voz poderia me dizer, pois hipoteticamente sabia quem eu sou.

Ela faz alguns sons resmungados e então ouço sons de choro contido. Estou prestes a bater o telefone quando ela solta a informação mais aterradora desta noite.

— Sergio, sou eu. Dona Martínez, mãe da Marí.

Congelo, o fone preso ao ouvido. Medo. Incerteza. Dúvidas. O que diabos estava acontecendo? Que brincadeira é essa? Como Dona Martínez poderia saber onde estou? María conversou com ela? Tantas coisas surgem ao mesmo tempo e não sei como reagir, o que perguntar primeiro.

— Ah, Deus... — balbucio levando a mão a cabeça atordoado. Faço a primeira coisa que vem à cabeça — Me desculpe, me perdoe por tudo Dona Martínez, nunca foi a minha intenção fazer todo esse mal à sua filha, eu nunca quis deixá-la. Me perdoe — resmungo me abaixando lentamente no chão da cozinha. Me sento na lajota fria desse cômodo, encostando-me nas portas dos armários de panela, minhas mãos enterradas no cabelo em desolação. A vergonha faz meu rosto arder, a culpa dói em meu peito.

Ela chora ao fundo.

— Sergi, eu preciso da sua ajuda. Por favor, só você pode encontrar minha filha! — diz, passando por cima de tudo o que eu acabara de falar. Ela funga e arfa frenética — Eu sei que você não quis nada disso, você é um bom menino. Me ajude, Sergi! A María saiu mais uma vez e eu não sei onde ela está! —

Fico calado, absorvendo de uma vez todas as camadas daquela conversa completamente inesperada.

— Ela brigou com Carmen e veio andando de Sevilla até Camas no meio da chuva, está mal e doente, ela fugiu mais uma vez e eu não posso procurar! — ela chora desesperada mas parece tentar abafar o próprio choro ou conter seu som. Meus olhos abertos estão fixos no nada, e todos aqueles sentimentos ruins agora são varridos para longe. Tudo o que me resta é um senso de responsabilidade — Se você não for, ninguém mais vai, meu filho! Vá! Eu imploro, eu perdoo você por essas coisas todas. Mas me ajude —

Camas, Sevilla - a Sergio Ramos story.Onde histórias criam vida. Descubra agora