15- birds.

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FLASHBACK.
Camas, 2002.


"Há um pássaro azul em meu peito que quer sair, mas sou duro demais com ele.

Eu digo: fique aí, não deixarei que ninguém o veja.

Há um pássaro azul em meu peito que quer sair, mas eu despejo uísque sobre ele e inalo fumaça de cigarro. Y las putas e os atendentes dos bares e das mercearias nunca saberão que ele está lá dentro.

Há um pássaro azul em meu peito que quer sair, pero soy muy duro con el.

Eu digo: Fique aí. Quer acabar comigo? Quer joder com minha escrita? Quer arruinar a venda dos meus livros na Europa?

Há um pássaro azul em meu peito que quer sair, pero soy bastante inteligente, deixo que ele saia somente em algumas noites quando todos estão dormindo.

Eu digo: sei que você está aí, então não fique triste.

Depois o coloco de volta em seu lugar, mas ele ainda canta um pouquinho lá dentro, não deixo que morra completamente.

E nós dormimos juntos assim, con nuestro pacto secreto, e isto é bom o suficiente para fazer um homem chorar.

Mas eu não choro. E você?"

Leio o poema com os olhos estreitos encolhida em meu banquinho particular no pátio da escola, que agora dividia com o único que consegue me encontrar aqui. The Last Night of the Earth Poems é o livro que surrupiei das caixas de doação da biblioteca, e agora fascinada, traduzia e recitava em alto em bom som para Sergio, que não entendia uma palavra sequer de inglês.

- Eu não choro, mas se eu fosse ele com certeza choraria - resmunga dando de ombros e eu prontamente reviro os olhos decepcionada, mas ele não liga, apenas me adverte - Esse livro é triste, não devia ler isso -

- A arte é livre. Leio o que eu quiser, e digo mais, você não soube interpretar - retruco impaciente fechando o livro, bem afetada pelas críticas que ele dirige, me volto à ele para alfinetar sua inteligência e também o seu ego - Aliás Sergio Ramos, o que diabos você interpretou? -

Encaro Ramos, atenta aos detalhes de sua expressão enquanto fala. Os vincos entre as suas sobrencelhas na expressão séria e suas mãos gesticulando com uma fluidez eloquente. Ele leva à sério as nossas análises literárias, mesmo que não goste ou não entenda os livros que lemos. O sol bate nos cabelos dourados, bagunçados e quebradiços dele. Não importa o quanto eu acabe meus cremes tentando fazer aquele cabelo ficar hidratado, ele sempre acaba se parecendo com uma vassoura velha. Mas uma vassoura velha fofinha.

- O pássaro azul é a parte boa dele, a parte que tem vontade de melhorar. Mas María, eu não gosto quando você fica com essa cara olhando pro tempo depois de ler essas coisas - responde chutando algumas pedrinhas do chão à nossa frente, e então aponta para o livro como quem desdenha - Gosto quando você fica aqui e conversa comigo, sem essas viagens -

Empertigo a postura e cruzo as pernas, segurando o livro em meu colo. Olho para Ramos, interessada no que ele tem a dizer.

- E sobre o que você quer falar?

Ele bate os ombros e apoia uma das mãos na coxa. Olha ao redor e então me olha.

- Não sei. Você quer ir tomar sorvete?

- Você paga?

- Eu sempre pago.

- Carrega a minha mochila?

- Hm... Quais livros você trouxe?

- Matemática, Espanhol e o caderno, apenas esses - minto.

- Eu carrego.

Camas, Sevilla - a Sergio Ramos story.Onde histórias criam vida. Descubra agora