14- for a woman like me to have.

26 6 0
                                    

POV: MARÍA.

Encontro uma brecha entre a cerca da pista, que dá para um barranco e um bosquinho lá embaixo. Sei que se seguir por ali posso encontrar a Puente de la Señorita, uma ponte menor que me permitiria acessar a cidade com mais segurança. Carros começam a passar na pista, alguns buzinam, outros passam propositalmente raspando em mim. Eu choro descontroladamente, mas tento raciocinar. Decido descer ali, escorregando barranco à baixo na relva macia.

A chuva em Sevilla é a pior possível. Os monstros nas nuvens rugem em relâmpagos cruéis, que choram tanto quanto eu. Meu peito vibra a cada trovão, meu cabelo goteja o resquício das pesadas que caem do céu me atingem como pedras.

Sem mais escolhas, eu escorrego barranco à baixo. Minhas mãos mergulham na terra tentando evitar que eu capote no percurso e minha calça fica inunda, assim como meus tênis. Chego em segurança, ainda que meus dedos ardam quando eu os mexo. Entro no bosque sem nem mesmo olhar para trás.

As árvores não eram tão densas, mas a vegetação suspensa atrapalhava a visão. Tem muito lixo espalhado no chão, e um cheiro insuportável de urina. Vestígios nítidos de que alguns moradores de rua provavelmente se abrigavam por ali, mas no momento não havia ninguém. Fungo, enxugando meu nariz na manga do moletom. Sigo pelo meio das árvores na direção que eu acredito me recordar, não sei mais para onde fica a ponte, e os caminhos antigos foram quase todos apagados, tudo o que resta é uma trilha de musgo liso. Por alguns momentos tensos meu choro se interrompe. Ando com dificuldade com aquele tênis de solado reto, escorregando na mata lisa e molhada de orvalho, me apoio em uma árvore e desço para uma parte mais ingrime. Piso em alguns troncos derrubados e esmago embalagens de plástico.

Eu me lembrava desse bosquinho, antes era limpo e bonito, e nós podíamos andar por aqui com segurança, mas isso também ficou no passado.

Eu procuro por algum vislumbre do outro lado do rio, mas não há, nem mesmo a ponte é visível do ponto em que estou. As trovoadas no céu pioram e a chuva se torna ainda mais forte ao ponto de uma neblina pairar no ar e começar a se tornar densa. Me desespero de medo, olho para trás e não acho que consigo voltar por onde eu vim. Pego meu celular no bolso canguru do moletom e o aparelho está simplesmente enxarcado, mordo meus lábios, meu choro volta com o triplo de força.

Sem mais escolhas, me aproximou de uma delas e me sento no pé da árvore, encolhendo-me no frio para tentar me acalmar e pensar com clareza. Encaro meu celular apagado, tento ligar e nada acontece. Quero atirá-lo nas pedras, mas sei que não devo.

A única pergunta que me faço agora, ouvindo os grilos cantarem longe e as gotas de água atingindo a folhagem alta da copa das árvores, é: porque Deus sempre me reserva as batalhas mais cruéis? O diabos eu fiz em outras vidas para alcançar um estado tão miserável e chucro? Porque sou digna da perversa ira divina? Acho que nunca saberei responder isso. Puxo meu escapulário para fora do moletom, segurando a imagem de Jesus Cristo e rezando com o máximo de força que posso, implorando por perdão. Não sei quanto tempo passo ali naquela bolha intimida com Deus, naquela espécie de santuário natural, mas parece ser muito tempo. O céu está escurecendo ainda mais.

Sei que não posso ficar aqui nem por mais um minuto, mesmo que minha vontade seja ficar completamente estática em um lugar silencioso para sempre. Faço força nos tornozelos e me levanto do chão com dificuldade, me escorando no tronco da árvore avanço contra a mata mais uma vez, subindo e descendo pelos obstáculos, tentando achar uma lógica na direção que escolhi tomar.

São mais minutos de uma dura procura, até que eu desemboque na margem inundada do Guadalquivir, o cheiro à essa altura já é insuportável. Estou literalmente ao lado da estrutura de base da ponte menor que procurava, feita de pedras antigas da nossa região empilhadas e unidas com concreto fabricado aqui, centenas de anos atrás quando Camas passou pela sua expansão em 1641. Tive que voltar e escalar um morrinho para encontrar a passarela superior da ponte, quase tropeço várias vezes, mas consigo alcançar.

Camas, Sevilla - a Sergio Ramos story.Onde histórias criam vida. Descubra agora