12- crazy.

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FLASHBACK.

CAMAS, VERÃO DE 2006.

Encaro minha casa amarela através dos vidros de vinil preto, um luto azul tempestuoso nubla minhas emoções e cristaliza meus olhos, ao passo que uma determinação fria se apossou de mim nos últimos minutos, bem enquanto eu ouvia Crazy da Gnarls Barkley. Bem, não importa que isso seja loucura, não me importa o quanto vai doer, eu preciso fazê-lo. É quase como operar uma cirurgia de risco, uma amputação simbólica que farei para que nasça algo novo.

O cansaço psicológico deste assunto já me esgotou ao ponto de me tornar insensível. Nós já discutimos tanto ao ponto de eu nem mesmo ter vontade de tentar de novo, de saber que nada vai mudar a apartir daqui. Eu implorei de joelhos, chorei todos os rios que podia implorando por um pouco de compaixão comigo. Mas eles não sairão de Camas.

Não sairão porque meu pai e mãe temem Madrid. Ela teme seu passado como dançarina de tango profissional nos clubes. Passado esse, que agora na idade adulta me gera algumas suspeitas bem específicas, mas nenhuma coragem de insinuar ou investigar. Meu pai não quer sair de Camas, e minha mãe, apesar de ser um pouco menos resistente quanto à ideia, continua preferindo obedecer as vontades dele cegamente. Significasse isso me deixar ir ou não. Não sei o que diabos eles tem enterrado em Madrid, mas parece ser mais significativo do que a minha carreira e futuro. Até mesmo do que eu.

Mas aquilo não é da minha conta e pouco me interessam os traumas deles, isso não pode interferir em mim. É por isso que decido não me sujeitar ao estresse de ter que me deslocar para Sevilla todos os dias. Decido que é hora, minha última esperança de encontrar alguma paz e ser livre, pois se não for agora, então não será nunca mais. Preciso de um lugar novo, longe dessa cidade maldita que me dá náuseas e vertigem, longe dessa pobreza de espírito que parece me perseguir.

Ontem mesmo confessei ao Florentino todos os meus medos, vontades e sonhos, e como um pai verdadeiramente acolhedor, ele me aconselhou.

O velhinho prometera gentilmente que se eu quisesse adotar Madrid como minha nova casa, então ele cuidaria de tudo para que eu ficasse segura até aprender a me virar sozinha. Poucos devem imaginar essa cena, o tubarão Florentino Perez acariciando os cabelos de uma garotinha chorona com problemas familiares bem no sofá de seu escritório, e dizendo à ela que tudo ficará bem.

- Quer que eu abra a porta ou você pode fazer isso sozinha?

- Fica quieto. Me dá uns minutos pra respirar.

- Respirar você pode. Tá cheio de ar aqui, olha - Carrazco abana a mão no vento com sarcasmo e eu lhe dou um tapinha nos dedos repreendendo sua acidez.

Inspiro e expiro lentamente, tentando manter a mentalidade forte. Aperto o botão do cinto num click e me liberto da faixa de couro que comprimia meu peito. Puxo a alavanca da porta e ponho os pés no asfalto, trazendo pendura em meu ombro a bolsa de couro que ganhei de C na chegada à Madrid.

Atravesso o jardim esverdeado, subindo as escadas da entrada. Aquela postura convicta se dissolveu mais rápido do que eu desejava. Meu coração batia acelerado dentro do peito quando me aproximei da porta da frente. Eu podia sentir a tensão no ar antes mesmo de entrar. Minhas mãos estavam tremendo enquanto eu segurava a maçaneta da porta. Respirei fundo, tentando encontrar a coragem que havia me levado a tomar essa decisão.

Bato duas vezes.

Uma espera agoniza antes que os passos do lado de dentro aumentem gradativamente seu som. Faz uma semana que não os vejo. A porta se abre, e vejo as figuras de minha mãe e meu pai juntos.

- Marí, você não ligou avisando que estava chegando! Entre - mamá é quem me convida com seu largo sorriso, ela abre os braços e envolve meus ombros, me trazendo para dentro.

Camas, Sevilla - a Sergio Ramos story.Onde histórias criam vida. Descubra agora