20- the family jewels

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MARÍA.

Depois de sair da casa de Ramos mais tarde do que planejei, ser obrigada comer a comida dele no almoço, e brigar muito para que ele me deixasse caminhar em paz ao invés de me enfiar naquele carro de playboy, chego finalmente à minha casa. São quase duas da tarde.

Surpreendentemente, consigo com muita facilidade ignorar todas as camadas que deveriam me atingir antes de entrar. Não tenho medo da silhueta da casa, não tenho pânico de me aproximar, apenas cruzo minha calçada e jardim, focada em alcançar a única pessoa que me importa neste fim de mundo: minha mãe, e ela está lá dentro solitária e doente.

Entro em casa, dois dos três maiores monstros que conheci estão sentados juntos no sofá, como a dupla dinâmica dos narcisistas. Eu tiro os sapatos, confiro na cozinha, e ela está vazia. Subo então as escadas sem lhes dar satisfação ou olhar algum. Escancaro o quarto dos meus pais, mas mamá não está ali. Então simplesmente já adivinho onde está.

Vou até meu próprio quarto, abrindo minha porta num golpe só.

A luz me atinge. A cena de mamá sentada em minha cama, segurando um dos meus ursinhos de pelúcia. Eu a vejo claramente, mesmo contra a luz, rolar seus olhos por mim e sorrir, todo o desespero da noite anterior já não está mais ali, e eu sei o porquê.

Aquele quarto, preservado na luz do começo do entardecer que vinha da janela. A figura de minha mãe usando um vestido verde escuro e um chale florido, colorido em preto e um rosa pastel, a pelúcia em suas mãos. Tudo é tão reconfortante e convidativo. Sei que aquele cantinho é meu lar, e que diante dele posso desmoronar.

Salto da porta para dentro, abraçando a luz e o amor que se desprende do ar e enche aquele pequeno cômodo. Meu único lugar. A única coisa que me restou.

— Mamá! — sibilo tristonha quase correndo em sua direção, mergulhando no abraço de minha mãe com uma carência e medo avassaladores. Ela me segura e abraça enquanto eu me desfaço sobre ela com mais veemência do que deveria, ela me acolhe com seus braços magros e eu escorrego sobre a cama até estar deitada, enlaçando sua cintura e com a cabeça apoiada em suas coxas. Choro, choro desesperada e soluçando aos berros.

— Graças a deus que você está bem — sua voz é calma, soa como o paraíso enquanto eu afundo cada vez mais na cama. Repouso em seu colo.

Aquilo me dá a sensação de que não importa o quanto eu cresça, sempre serei menor que mamá. Uma eterna criança quando estou sob seu contato.

— Por que você não me contou?! — soluço escondendo meu rosto entre as roupas dela, uma enxurrada que sai de dentro do meu espírito. Vomito o bolo de dores que me perseguiu durante todos esses dias — Por que, mamá?! Por que você não me disse?! —

— Eu não queria preocupar você, querida — nada tremula em seu tom. Eu me sinto extremamente culpada em fazer minha própria mãe doente ter de consolar minha negação, ter de me dar apoio quando eu deveria estar fazendo isso por ela.

— Devia ter me dito! — tremo suspirando compulsivamente, meu corpo se enfraquece e meu choro aos poucos perde a força. O esforço físico para chorar era tão grande que já começava a me causar exaustão.

— Você não tem obrigação de parar sua vida para cuidar da minha, e eu não quero ser um fardo. Você precisa respeitar a minha decisão, é a minha liberdade — ela fala, e eu nem consigo imaginar seu rosto enquanto diz isso, apenas sigo com o rosto enterrado em seu colo, de olhos fechados e evitando a realidade. Mamá sempre fora esse tipo de mulher, do tipo que fica doente e não quer ser cuidada, que se machuca e não quer ser ajudada, do tipo que tem problemas e finge que não os tem.

Camas, Sevilla - a Sergio Ramos story.Onde histórias criam vida. Descubra agora