4- remind me.

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SEVILHA, 1992.

A tarde ensolarada significava pura felicidade para as crianças que treinavam no campo aberto do Camas CF. O sub-6 treinava pela manhã, e era óbvio que poucos que estavam ali realmente levavam à sério o treinamento, então o instrutor se dedicava às crianças que realmente mostravam empenho. Entre esses, a pequena María.

Ela era uma menina dedicada, que fazia questão de mostrar aos coleguinhas sua dedicação, mesmo que nem todas as outras crianças entendessem seu esforço. María via aquele campo como além de uma brincadeira de verão, aquele era apenas o seu ponto de partida.

A menina completava o pequeno circuito concentrada em sua tarefa, e assim que terminou de driblar os cones foi liberada para jogar com os outros.

Era uma das três garotas que conseguiram a proeza de poder treinar com os garotos, mas as outras duas apesar de esforçadas, não eram como María. A pequena tinha um brilho no olhar que só pulsava quando estava em campo, jogava cada partida como se fosse a última, e todos que a viam jogar percebiam isso ainda que fosse muito nova.

Mal entrou no jogo, e já estava correndo pelo campo com a bola nós pés, costumava jogar no meio campo em função ofensiva, e tinha mais habilidade no passe que alguns dos meninos do time.

María avançou tentando chegar à área e esbarrou em um dos garotos do time adversário. Conseguiu fugir da falta e manter o equilíbrio, mas antes de conseguir tocar na bola novamente, sentiu um pisão acertar seu pé em cheio.

María gritou e se atirou no chão encolhida levando as mãos ao pé, e quando o treinador marcou a falta, se levantou como se nada tivesse acontecido.

- Seu burro! Olha só que você fez! - gritou encarando o garoto com sua raiva mais genuína - Não pisa no meu pé! - ela o empurrou fazendo o menino cambalear para trás.

María estava prestes a bater no garotinho, mas intervenção do técnico foi mais rápida.

- Epa - o treinador disse ofegante quando finalmente os alcançou e segurou o punho erguido de María - Eu tenho certeza que foi sem querer María, não é mesmo amigão? - indagou lançando um olhar cumplice para o garotinho, que apenas observava em silêncio.

Ela alternou o olhar entre o treinador e o menino, e bufou esperando pela resposta.

O garoto com cabelo de cuia apenas deu de ombros, e María se deu conta de que nunca o tinha visto treinando ali. Tinha cabelos loiros que caiam no rosto, sardas nas bochechas e olhos castanhos muito grandes, o uniforme do Camas ficava enorme nele. O menino por algum motivo despertou a sua curiosidade, e ela inconscientemente pensou que ele se parecia muito com um raio de sol dourado.

- Vira de costas - ela disse.

- O que? - ele perguntou fazendo uma careta de estranheza que franzia o narizinho arrebitado.

- Me mostra o seu nome, eu não sei qual é.

O garotinho hesitou, mas no fim girou nos calcanhares, indicando o próprio nome em suas costas com os polegares.

"Sergio Ramos" escrito em caixa alta, em azul.

Os garotos, garotas, familiares e instrutores presentes no campinho observavam atentamente a pequena confusão que se desenrolava. Estavam curiosos para saber quem era o menino que tinha irritado María, afinal todos a conheciam por nome e sobrenome, e todas mães do sub-6 do time de Camas tinham medo de María.

Ela era o tipo de criança que mordia os coleguinhas quando o professor não estava olhando.

- Eu te desculpo Sergio Ramos, mas não pisa no meu pé nunca mais - María disse, e recebeu como resposta um olhar sapeca.

Ela sequer imaginava que era apenas a primeira das milhares de vezes que se irritaria com aquele mesmo olhar.

- Mas eu não te pedi desculpa - Sergio mostrou a língua risonho e convencido. - Vai jogar ou vai ficar chorando igual menininha? -

- Eu jogo muito melhor que você! - ela rebateu bufando de raiva e tentando à todo custo se desvencilhar do treinador.

- Não joga não! - ele cruzou os braços.

Foi o estopim, María parou de tentar se soltar, e o treinador soube que aquilo não era um bom sinal. Ela encarou Sergio com o semblante fechado e fazendo bico, como se tivesse assinado sua sentença.

- Ah é? Se você pisar no meu pé eu vou chutar a sua perna! - ameaçou sem poupar palavras, fazendo o treinador arregalar os olhos.

Sergio apenas deu de ombros com deboche como se aquilo não fosse nada.

E então, naquele fatídico dia eles jogaram a tarde inteira, dando tudo de si em uma partida que devia ser boba, mas que ganhou o tom de final de campeonato, e que divertiu todos os pais sentados nas pequenas arquibancadas.

Mas para a frustração de Sergio e de María, eles acabaram empatados no número de gols. María jurava ter tido um de vantagem mas ninguém se lembrava do tal gol, Sergio pediu um pênalti duvidoso que não foi dado, e no fim, os dois voltaram resmungando para casa.

Só não estavam mais inconformados porque trataram de combinar uma revanche para o dia seguinte.

Camas, Sevilla - a Sergio Ramos story.Onde histórias criam vida. Descubra agora