9- only ones who know.

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SEVILLA, 2001.

A noite tranquila pós treino intenso é a melhor que existe, e essa é a primeira vez em que tenho um tempo livre e não estou me arrastando pela casa com dores musculares ou simplesmente dormindo eternamente. A repetição da rotina era agradável e seria ainda mais se eu pudesse me dedicar apenas ao futebol, mas como isso ainda é apenas um sonho, continuo me dedicando na escola.

Eu já estava encolhida na cama, com o cabelo preso num coque feio, acomodada embaixo do edredom e vestindo uma camisa surrada da seleção espanhola. Dou garfadas num pote enorme de salada de frutas enquanto meus olhos fixos na TV, assistindo os comentaristas falarem de um jogo da segunda divisão da La Liga que nem me interessava, mas sustentava meu vício. Meu plano era escovar os dentes e cair nos braços de Morfeu dentro de uma hora.

Como um pedaço de mamão e maçã, enchendo a boca com cubinhos de frutas, quando duas batidas na porta do quarto ecoam. Eu as ignoro e rezo para que quem quer que seja, ache que eu dormi e vá embora logo. Me estico para pegar o controle na ponta da cama e diminuo o volume da TV para dar veracidade.

Os segundos passam, e logo depois duas batidas mais incisivas retornam, seja lá quem for, quer me acordar. Reviro os olhos meio irritada.

- Entra - respondi, enchendo a boca com uma colherada de frutas mais uma vez.

A maçaneta girou e a porta se abriu. E me arrependi amargamente de tê-lo deixado entrar no momento em que vi o vulto da cabeleira loira, feliz e animada, correndo como um raio e se esparramando em minha cama, fazendo toda a estrutura do móvel estremecendo sob o peso dele como se fosse quebrar ao meio. Nós dois tínhamos 16 anos, só que a pequena diferença de tamanho da infância agora se tornou latente. Sergio se tornara mais alto e mais forte que qualquer outro garoto da nossa idade, e se não fosse pelo seu jeito de menino bobão, conseguiria se passar por maior de idade em qualquer lugar.

Enquanto isso, eu tinha me tornado uma garota esguia, e as curvas discretas que tinha se deviam aos exercícios diários, sempre meio rígidas, meus músculos extremamente desenvolvidos. Em questão de altura, não tinha me crescido tanto, sou quase vinte centímetros mais baixa que Sergio, e eu odiava isso. Ele ri e rola pela minha cama, me encarando com uma cara marota de criança atentada, os olhos brilhando.

- Ramos! - o repreendi pelo sobrenome, mas ele não deu a mínima.

- Buenas noches, señorita - disse enquanto se aninhava ao meu lado na cama, daquele jeito clássico de quem estava aprontando alguma. Por um segundo detesto a mania de mamá de permitir que ele entre em qualquer cômodo com toda essa liberdade, Sergio tinha muitos direitos aqui em casa, e não fora eu quem dei.

Eu o observo desconfiada, e fungo ao notar que ele está tão perfumado ao ponto do cheiro amadeirado tipicamente masculino começava a me sufocar, de um jeito estranhamente bom. Arqueei uma das sobrancelhas e o analisei com perspicácia. Ele estava usando uma jaqueta de couro preta, uma camisa branca e uma calça jeans escura. Parecia pronto para ir a algum lugar.

Seus cabelos longos e loiros sempre desgrenhados.

- Vai aonde? - finalmente pergunto, olhando-o nos olhos.

- Pra um lugar - ele revelou com um largo sorriso no rosto, e então ergue as sobrancelhas de um jeito teatral - Na verdade, nós dois vamos. Se arruma, rápido -

Fala, e eu espero que diga que é uma piadinha. Sergio me olha como se esperasse alguma coisa de mim, e tudo o que fiz foi uma careta desanimada e descrente, duvidando muito daquilo.

- E aonde nós iríamos, Ramos?

- Para a festa da escola - ele diz, alegre.

Encarei a expressão convencida de Sergio Ramos García em silêncio e um tanto incrédula. Mas não demorou para uma ponta de irritação fluir em meu peito. Ele iria tentar insistir nesse assunto pela milésima vez nessa semana, mesmo que eu já tenha dito centenas de vezes que jamais me sujeitaria a estar naquele lugar. Eu nem sabia que a festa era hoje, pra falar a verdade.

Camas, Sevilla - a Sergio Ramos story.Onde histórias criam vida. Descubra agora