6- afraid.

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Os sonhos. Talvez revisitar sonhos antigos fosse a pior parte de estar ali, naquele lugar. Encontrando esperanças velhas e empoeiradas, congeladas nos anos de criança e adolescente, vendo o quanto eram descabidas as fantasias às quais eu me agarrava como uma menina tola e ingênua. Eu poderia não me culpar, mas a verdade é que eu sinto como se tivesse tido uma idade fixa por toda a minha vida, então ter acreditado naquelas bobagens por anos faz com que eu me sinta burra, ainda que tantos anos tenham passado.

A María de quinze anos era mais esperta, mais forte, ela não deveria ter caído nessa.

— Menina, você está bem? — a voz me arranca do fundo do túnel do tempo, acordo num sobressalto assustado, assustando também a senhorinha parada na minha frente com um gritinho alto e alarmado — Por deus, você tá bem?! — a mulher repete horrorizada, dando dois pulinhos para trás.

O frio que não senti durante os minutos que passei ali agora se fazia mais presente do que nunca, mais uma vez eu tinha sido pega por minhas memórias. Dou um solavanco meio impaciente, meio irritada com toda essa situação psicológica na qual me enfiei. Fico de pé ainda meio aérea e quase esbarro na senhorinha por acidente, o que faz com que ela tome mais distância ainda. Eu devo parecer uma lunática.

— Menina! Você tá passando bem? — ela repetiu pela terceira vez, e desta vez ela desiste de se afastar, apenas se aproxima com cautela e repousa sua mão em meu pulso, faz uma cara aflita.

— Estou sim, eu só estava pensando — respondo ainda um tanto atordoada, pestanejo e me empertigo, me esforçando para parecer minimamente sã. Encaro a mãozinha enrugada da velhinha repousada em meu pulso, me confortando ao passo que tentava garantir que eu não faria mais nenhum movimento surpresa. Encaro a senhorinha, me sentindo meio fraca — Me desculpa, aconteceu alguma coisa? —

A senhora baixinha e de cabelos esbranquiçados tinha as mãos fortes, mas me soltou logo que percebeu que não sou grande risco.

— Você está sentada imóvel aí desde que eu cheguei, menina. Você me assustou — ela comenta com a voz empática. Eu franzo o cenho confusa, não sabia ao certo quanto tempo estava ali, olho para o céu, e de fato, o firmamento começava a ganhar tons de cinza mais escuro, nuvens mais volumosas que se movem com as rajadas de vento.

Camas está esquisita hoje, nesses dias estranhos.

— Você trabalha no colégio? — pergunto, molhando os lábios e me voltando à velhinha.

— É, eu cuido daqui quando os moleques não estão, mas já terminei por hoje — a senhora responde me analisando de cima à baixo, seus olhos espertos e brilhantes, dóceis e gentis. Ela tem um jeito amável de fazer perguntas — E você? Estudou aqui não é? —

Eu assenti. A senhora não pareceu surpresa.

— Vocês sempre voltam não é? — ela balançou a cabeça, girou nos calcanhares e sinalizou para mim que já iria embora, e acenou para que eu a acompanhasse — Venha, não posso deixar você ai sozinha —

Eu não questiono, apenas sigo a senhora pelo largo pátio vazio. Caminhando com meus tênis pelo chão de concreto e tentando a todo custo evitar olhar ao redor, apenas me concentro na mulher que me guia e me leva para fora das dependências do colégio.

— Não é raro quando alguns de vocês chegam aqui querendo matar a saudade, muitos choram, outros ficam eufóricos, mas nunca vi ninguém ficar igual você — me lança um olhar de soslaio, meio curiosa. Eu dou de ombros.

— É, deve ter sido estranho, mas eu só estava pensando mesmo. Cheguei na cidade ontem.

A mulher sorri gentilmente. Era uma senhora de ombros largos e corpo roliço, aparentava ser daquelas mulheres que envelhecem e continuam jovens e vivazes, eu notei seu andar manco e ofereci meu braço para que ela se apoiasse, mas ela prontamente recusou. Uma mulher de fibra, e eu me sinto bem na presença dela, ela sorri.

Camas, Sevilla - a Sergio Ramos story.Onde histórias criam vida. Descubra agora