Capítulo 27

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A minha cidade natal nunca mudou. Não importa quantas vezes eu voltasse, sempre estava a mesma coisa.

Na primeira vez que tive coragem de voltar ali após minha avô morrer, foi estranho, porque eu não era a mesma pessoa.

Eu definitivamente não era a mesma pessoa, porque todo o carinho e afeto que existiram dentro de mim foram enterrados junto à minha família. Desde então, a única coisa que tinha em minha mente era vingança.

Foi assim por muito tempo, por todos os anos que eu vinha visitar esse lugar. Hoje, entretanto, tive a mesma sensação de anos atrás. 

Eu havia mudado. Não era a mesma pessoa que chegou na casa dos Mendes há meses atrás.

E eu odiava isso. 

Odiava não ter certeza do que faria, do que sentia, de como agiria. Odiava com todas as minhas forças e mudaria isso se fosse possível. 

Como acontecia em todos os anos, me aproximei do túmulo da minha mãe. Do túmulo falso, porque o corpo dela não estava enterrado ali, visto que não tínhamos dinheiro para fazê-lo na época. Mas assim que recebi meu primeiro salário da empresa dos pais de Kenya, mandei fazer uma lápide para ela e para minha avó e coloquei no fundo do local onde era nossa antiga casa, apenas pelo simbolismo. 

Todos os anos vinha aqui, no seu aniversário de morte, olhava a casa que mandei reconstruir anos depois que tivemos que vender e foi demolida. Acho que deixar tudo como era antes foi minha forma de dizer que Karen não havia conseguido nos derrubar. Eu ainda estava aqui e a faria ter o que merecia.

Além de mim, outra coisa havia mudado desta vez: eu estava sozinha. Kenya fazia questão de vir comigo todos os anos, mas a dispensei desta vez, sabendo que tinha muitas coisas para resolver. Minha amiga desenvolveu um senso de gratidão por mim desde que a salvei de um afogamento quando tínhamos dez ano de idade. Foi assim que nos conhecemos. 

Eu morava em um orfanato, porque minha avó já havia morrido, e estava passeando por uma lagoa das redondezas quando vi outras crianças a empurrarem. Kenya não sabia nadar, mas Manuel havia me ensinado bem e foi assim que salvei sua vida — sim, menti para Shawn quando disse que não sabia e o fiz me "ensinar". Depois disso, nossa amizade começou, ela ia me visitar, eu ia em sua casa depois da escola. Seus pais viajavam muito e suas babás não viam problema em ficarmos brincando juntas. 

Fiz dezoito anos no mesmo ano em que os pais dela morrerram em um acidente, Kenya já tinha dezenove e assumiu todos os bens deles, incluindo a empresa. Eu teria ficado desamparada, se ela não tivesse me ajudado. Ajudou-me a estudar, a trabalhar na empresa e na minha vingança.

A base da nossa amizade era a gratidão que tínhamos uma pela outra. 

Mas hoje eu precisava estar aqui sozinha. 

Agachei-me o túmulo da minha mãe, pondo as flores em cima dele, abrindo  um sorriso pequeno. 

— Você não estaria feliz vendo o que eu estou fazendo agora. — Murmurei. — Diria para eu perdoar. Você mesma teria perdoado eles, porque era boa demais. — Apertei os lábios. — Eu não sou boa como você, mãe, ou talvez eu tivesse sido se você estivesse aqui. Eu sempre venho aqui e digo que vou fazer todos eles pagarem, sempre digo que estou quase lá. E agora que realmente estou conseguindo, tudo o que eu quero dizer é que... Eu sinto sua falta. 

As lágrimas molharam meu rosto, mas nem fiz esforço para enxugá-las. Nunca chorei nas vezes em que vi aqui, mas hoje... Eu só precisava sentir a saudade que reprimia para não sofrer mais. Precisava, apenas por um momento, entregar-me ao luto que nunca cessava. 

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