Capítulo 23

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                            Liya.

A aula decorreu tão lentamente que pude sentir o amargor da noite mal dormida. Meus olhos ainda estão pesados, evidenciando as poucas horas de sono que tive.

Estou com pressentimento, como se algo estivesse prestes a acontecer. Hoje é sexta-feira, o dia em que meus pais comemorariam o aniversário de casamento.

Destravo a porta lentamente. São aproximadamente seis da noite. Não costumo chegar nesse horário, mas tive que ficar além do comum para terminar algumas pendências da faculdade. Estou tão cansada que tudo que eu quero é a minha cama.

Não falei com Floris desde então, e, apesar de termos dormido juntas, acabei saindo bem cedo da sua casa.

O cheiro do álcool invade minhas narinas, causando-me ânsia. Tampo o nariz com a mão, deixando minha bolsa em cima do sofá. Percorro o caminho que pressuponho ser de onde vem o odor.

Meu pai está caído e, em uma de suas mãos, há uma garrafa de uísque quase vazia. Me abaixo para verificar seu pulso. Ele está vivo, e a certeza disso retira um peso das minhas costas.

Quero gritar com ele e xingá-lo, mas um papel em cima do seu corpo me faz recuar. Retiro sutilmente o papel e leio o que está escrito. Não consigo evitar as sensações que permeiam o meu coração.

É uma das cartas que minha mãe deixou. Não consigo terminar de ler. Com os olhos afogados em lágrimas, limpo o meu rosto com a minha própria blusa. Também sinto muita saudade da minha mãe. Às vezes, acabo sendo egoísta e não percebo que, por trás da armadura que compõe o meu pai, também há o mesmo sentimento.

Deixo a carta em cima do seu peito e saio. Estou abatida o suficiente para ver meu pai alcoolizado, e abatida demais para conseguir prestar apoio. As ruas escuras parecem mais acolhedoras do que a minha casa.

Sento-me no banco, com as pernas encolhidas. Meu tronco está jogado para trás. Estou com os olhos fechados. Há um turbilhão de pensamentos que me atingem. Não consigo chorar, não hoje.

— Não sabia que você gostava da solidão, também. - Uma voz feminina ressurge um pouco distante, mas os seus passos acusam a sua presença. — Aqui é o meu lugar favorito.

Abro os olhos à medida em que sinto a sua presença. Fico um pouco imóvel. Acreditava que custaria até que ela viesse falar comigo.

— Você não está brava comigo? - A entonação da minha voz emite o ressentimento que me consome pelo acontecido.

— Por que estaria? A culpa não foi sua. - Seus olhos estão fixados em outro ponto, mas eu continuo olhando-a. — Não a julgo, e também não sinto raiva. Outrora sentiria. As pessoas oferecem o que têm, não é? - Agora consigo sentir o peso do seu olhar. — Mas fica tranquila, não darei mais em cima de você. Não sabia que você era comprometida.

— Eu não sou comprometida. - Mexo-me, descendo as pernas. — Ela foi a primeira garota por quem me interessei e, por isso, ela reagiu assim. Não posso assumir os erros dela, me responsabilizo apenas pelo que faço.

— Não sabia que você gostava de garotas. - Ela ri, um pouco tímida. — Quer dizer, eu até suspeitava, vai.

— Como assim “suspeitava”? Eu não entendo muito bem. Não sei se pessoas lgbts possuem características.

— Possuem, sim. Quer dizer, depende. Algumas são visíveis, outras você só percebe se analisar bem. - Alessa me olha, depois desce o olhar para as minhas mãos inquietas. — Você não está bem, não é? - Seus olhos agora estão fixos nos meus.

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