Capítulo 5

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                                Floris.

Olhei ao redor do meu quarto, onde cada objeto parecia guardar uma lembrança de todos os momentos em que vivi. O cheiro de café se misturava com a ansiedade que pairava no ar. Minha mãe se aproximou, seus olhos transmitindo orgulho e tristeza. Abracei-a fortemente, como se pudéssemos congelar o tempo naquele momento.

Ao caminhar até a porta, a mala pesava mais do que eu imaginava. Cada passo aumentava a distância entre mim e a cidade que sempre situei como lar. O medo sutil se misturava com a excitação do desconhecido. Ao entrar no uber, olhei para trás e vi a minha mãe acenando. Seus olhos marejados refletiam a mistura de emoções que eu também carregava comigo. Carregava na minha bagagem de vida.

— Estação de trem. - Disse ao motorista.

Ao entrar no trem, o coração acelerado ecoava o medo do desconhecido. Olhei pela janela, observando as paisagens familiares desaparecendo gradualmente. No meu colo, a carta de aceitação da faculdade era a promessas de novos horizontes, mas também de muita responsabilidade.

Não sei se darei conta sem a minha mãe, mas eu sei que há tempo para tudo, principalmente para voar. Já sou maior de idade. Está na hora de criar o meu próprio destino. Mas o medo é real. Seguir sem a sua mãe por perto é como engatinhar, mas sem o apoio físico dos braços seguros que não te permitiria cair. É engatinhar em meio aos espinhos, torcendo para que o seu pé não contorça. É traçar metas e sonhos que você não sabe o pós, mas que você deseja arduamente viver.

Estou feliz. A ideia da faculdade me amedronta, mas saber que terei a minha liberdade, não há preço. E eu sei interagir até demais, acredito que não será um problema pra mim.

Chegando à nova cidade, me deparei com o campus universitário pulsando vida. Aqui, construirei não apenas boas memórias, mas também o meu orgulho. E apesar desse sonho não ser somente meu, quero dar orgulho à minha mãe. Quero honrá-la.

Com a papelada da faculdade em mãos, mergulhei em um labirinto de formulários e informações. A burocracia era como um primeiro desafio, mas é melhor findá-lo agora do que ter dores de cabeça futuras.

Ao finalizar a papelada, decidi caminhar pelo campus. Inúmeros rostos, todos desconhecidos. Os meus amigos ficaram lá atrás, na outra cidade, então terei de fazer novas amizades. Há cartazes coloridos anunciando eventos, estudantes apressados cruzando os corredores. Uma sensação de deslocamento, mas ao mesmo tempo de euforia.

Caminhei até o meu apartamento, a chave girando como um convite. O espaço é simples, mas meu. As paredes vazias esperavam por histórias, e a janela revelava uma vista muito bonita que ainda não tinha contemplado. O meu apartamento é o 119, fica um pouco separado dos demais, porém adorei.

Sentada no sofá vazio, minha mente vagou por caminhos reflexivos. Os medos que carreguei na viagem começaram a dissipar-se diante da realidade tangível da minha nova vida. A jornada acadêmica à frente parecia um tabuleiro em branco, e eu segurava a caneta da minha própria narrativa.

Eu sabia que a minha primeira noite não seria fácil. Resolvi então pedir uma pizza, enquanto enchia o meu carrinho de compras. Somente daqui a alguns dias as aulas começariam, então daria tempo de decorar o meu apto.

Crescer é como sentir o desconforto enraizado, preso às costas como uma parte sua, mesmo invisível. Crescer é assumir o risco do nunca diga nunca. Crescer é ver-se perdida diante do caos, mas entender que dá pra esperar mais um pouco.

                                    ~*~

Com um pincel na mão e manchas de tinta pelo rosto, estou imersa na transformação do meu apto. As paredes nuas começam a ganhar vida com os tons que escolhi, e o cheiro característico de tinta fresca preencher o ar. Móveis ainda embalados esperam pela sua vez de serem desembrulhados. 

Ao som da batida na porta, abro para encontrar o cara da entrega, sorridente, apesar da pilha de caixas. Ele me ajuda a carregar os móveis para dentro.

— Tá ficando maneirinho’ - diz ele, olhando para os rabiscos que estou fazendo.

— Dá pro gasto até - Olho na direção do seu olhar e sorrio ao ver. — Detesto casa com cores neutras.

— Qual nome dessa tinta ai? - Ele me olha curioso.

— Se eu não me engano… - Tento lembrar do nome que foge, repetidas vezes, da memória. — Gela. Não. Gelo, isso, se chama Gelo. - Acabo rindo pela confusão. Estou completamente suja pela tinta. — Você pode me ajudar a montar os móveis? - Assopro, tirando a mecha do meu cabelo da boca.

Entre risadas e piadas sobre meus desenhos sem pé e sem cabeça, percebemos que compartilhamos o mesmo neurônio. Eu sei, não deveria permitir um desconhecido entrar assim na minha casa, mas não suportava mais não ter alguém para conversar. E eu descobri que ele é gay, somente pelo grito exagerado que ele deu ao encontrar uma barata em meio à bagunça da dispensa.

— Que exagero, meu Deus! - Me contenho para não rir mais. Passei, pelo menos, um minuto rindo do seu desespero. — É só uma baratinha.

— Cria então, linda. - Ele diz, com cara de deboche.

Ele realmente é gay.

— Você me parece uma poc. - Cruzo os braços e ergo as sobrancelhas em afronte. — Vai, assume! Homem que é homem não gritaria assim, não.

— Não preciso me rotular, tá? - Ele diz, com cara de deboche, me olhando de baixo para cima. — E você é sapatão, consigo sentir daqui o cheiro de couro.

Nos conhecemos somente há uma hora, e ele é um dos caras mais engraçados que já conheci.

— O meu gaydar não erra, amado.

— O meu também não, Flor. - A entonação do meu nome na voz dele torna tudo mais engraçado. — O seu próprio nome já é de sapatão.

— Aham, falou o Caio. Caionapica. - Assim que termino de falar saio correndo, com o pincel na mão, enquanto ele corre atrás de mim.

Adoro viver.

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